Crítica: Visages Villages

Crítica: Visages Villages

Este filme fez parte da programação oficial da 41ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo. Texto originalmente publicado em 28 de Outubro de 2017.

Visages Villages, novo filme da diretora Agnès Varda em colaboração com o fotógrafo JR, não é um romance, mas é certamente uma experiência apaixonante. Protagonizado pelos dois, o documentário acompanha a viagem da dupla através da França rural, deixando, onde quer que passem, grandes murais com fotos variadas, seja dos locais quanto de animais. Varda e JR cruzam com uma variedade de personagens, mas nenhum deles é realmente aprofundado. E isso é ok: Visages Villages é, acima de tudo, um filme sobre olhar, literal e figurativo.

Varda, que vive com uma doença ocular, deu um lindo depoimento sobre o olhar no documentário nacional Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho, no qual eram entrevistados diversos nomes de peso que apresentam diferentes limitações visuais, que, ironicamente, não limitam a riqueza de suas almas. Aqui em Visages Villages, Varda resgata novamente a importância dos olhos e as diferentes maneiras de ver o outro e o espaço ao redor, formando um espirituoso par artístico com o esteta que é JR. Os dois enxergam em seus jeitos únicos: ela tem a visão curta e ele vive com os óculos escuros, o que deixa ainda mais tocante o fato de um ver o outro tão claramente e harmoniosamente.

E que harmonia! Em suas personas marcadas, Varda e JR tornam Visages Villages num deleite com as narrações conversadas e diálogos que vão do anedótico ao agridoce e de volta. Com uma diferença de idade de 50 e poucos anos, surpreende e toca como as duas jovens almas se encontram em sincronia. Vê-los aplicar sua arte no mundo é, então, ainda melhor. Uma cidade de mineiros tem seu legado gravado em seus muros; trabalhadores de turnos diferentes são reunidos em um mesmo muro, em uma fábrica; as esposas de operários do Le Havre ganham seu espaço no ambiente que praticamente só emprega homens, com suas figuras gravadas em uma pilha de contêineres. Não tem nem graça descrever em palavras: as imagens dizem tudo.

Outro aspecto que deixa sem palavras é a inesperada participação de um ilustre diretor na história. Não é nem um pouco como o esperado, e isso traz uma força tremenda para os minutos finais de Visages Villages, inesquecíveis. JR até chega a questionar se o determinado momento servia ao propósito de desafiar a estrutura narrativa do filme, e a resposta mais provável é uma pergunta: quem sabe? É um mistério, felizmente.

O que não é mistério é a alegria do público, que é presenteado com 90 minutos de uma ótima companhia, sentindo-se revigorado e inspirado ao final da sessão. Com Visages Villages, Agnès Varda e JR não só evidenciam suas ricas visões e grande química, como também atiçam o espectador a enxergar arte até onde (ainda) não há.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.