42ª Mostra – Crítica: Trem das Vidas ou a Viagem de Angélique

42ª Mostra – Crítica: Trem das Vidas ou a Viagem de Angélique

Quando a culpa pesa na bagagem

critica Trem da Vida ou a Viagem de Angelique

Há basicamente um plano que se repete durante os 76 minutos de Trem das Vidas ou a Viagem de Angélique, novo filme do veterano Paul Vecchialli. Sentada numa poltrona de trem, a protagonista conversa com um passageiro a seu lado. O diálogo sempre gira em torno dos mesmos assuntos: os relacionamentos amorosos e o sexo. A estrutura dá ao projeto um caráter um tanto quanto experimental, mas as conversas pouco trazem de modernidade.

Angélique (vivida por Astrid Adverbe) diz ao telefone, logo no início, que precisou interromper sua carreira de artista após uma contusão. Ela é então abordada por um senhor (interpretado pelo próprio Vecchialli), que diz não apenas se recordar de vê-la nos palcos, como também ser pai de um antigo colega e admirador. Um encontro entre ela e o rapaz se anuncia, mas a trajetória desta história de amor não será suave.

Angélique revela a alguns de seus interlocutores ter um apetite insaciável. Ela flerta com outros homens frequentemente, e estranha o fato da melhor amiga ser uma convicta praticante da monogamia. Até aí, o filme parece celebrar o “espírito livre” de sua personagem central, mas em certo ponto da viagem a coisa começa a descarrilar.

O roteiro, também escrito por Vecchialli, insere a culpa como um sentimento cada vez mais pesado em Angélique. Seu rosto, virtualmente o principal elemento em cena o tempo todo, ganha um semblante pesado. É como se o cineasta de alguma forma punisse a personagem pelo comportamento descrito até então, fazendo-a sofrer sobremaneira.

Num dos momentos, ela chega a ser apalpada por um homem, que ameaça tirar as calças ali mesmo, no meio do vagão, e reage com naturalidade, apesar de recusar os avanços. É uma cena problemática, particularmente no contexto atual de discussões sociais a respeito de machismo e objetificação das mulheres.

Quando Trem das Vidas ou a Viagem de Angélique chega ao seu destino final, pouco se sabe sobre aquela passageira que acompanhamos pelas diversas estações do seu caminho, a não ser as variações de sua libido e alguns fragmentos que nos foram narrados. Uma narrativa limitada em espaço, pelo conceito, e nas ideias, pela falta de inspiração.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil