42ª Mostra – Crítica: Verão

42ª Mostra – Crítica: Verão

Rock & Roll em russo

critica Verão

Entre as décadas de 60 e 80, os sons de nomes fundamentais do rock, como Beatles, Rolling Stones, Sex Pistols, David Bowie e Velvet Underground transcendiam as fronteiras do muro de Berlim, que separava a Europa ocidental da oriental, e chegavam até a Rússia. Lá, álbuns destas bandas eram considerados subversivos pelas autoridades, já que vinham do lado inimigo (era a época da Guerra Fria), mas ainda assim parte da juventude conseguia acesso aos discos, mesmo que por contrabando.

A influência destes artistas foi marcante para o surgimento de Mike Naumenko, compositor, guitarrista, vocalista e líder da Zoopark. Interpretado pelo ator Roma Zver, ele é o protagonista de Verão, filme do diretor Kirill Serebrennikov (de O Estudante) que participou da seleção oficial do Festival de Cannes 2018.

Sem o objetivo de ser uma biografia convencional, o filme se concentra no começo dos anos 80. Naumenko já era um astro popular do rock soviético, retratado na tela quase como uma entidade. Todos os outros personagens lhe são reverentes, principalmente Viktor (Teo Yu), músico que lhe pede conselhos enquanto forma sua própria banda.

Filmado quase todo em preto e branco, Verão tem um forte apelo nostálgico. Sua trupe boêmia e irreverente de homens e mulheres mexe com o imaginário de quem está acostumado a venerar ídolos da cultura pop. Como se não bastasse, há sequências musicais em formato de videoclipes, com elementos gráficos que se assemelham a rabiscos em cadernos, para canções como “Psycho Killer”, dos Talking Heads, “The Passenger”, de Iggy Pop, e “Perfect Day”, de Lou Reed.

Para não ficar apenas no olhar romântico para todo este cenário, Serebrennikov utiliza a figura de um personagem secundário identificado como “o cético”, um narrador pontual que lembra que tais cenas não aconteceram na realidade.

Assim, o longa reforça seu caráter mais poético e menos factual, com espaço ainda para debates sobre quais temas devem ser tratados nas canções, que resulta numa cena bastante cômica de reunião com os agentes da censura. Num cabo de guerra verbal entre autores e a força militar local, fica clara a capacidade da música em espalhar ideias para o público e como isto é poderoso.

Se a discussão sobre o contexto cultural da Rússia naquele determinado momento, a trilha sonora e o visual de Verão tornam a obra singular, ela perde um pouco da força quando o roteiro trata de um triângulo amoroso entre Vikor, Mike e sua esposa Natasha (Irina Starshenbaum). Levada sempre em banho-maria, a subtrama acaba jogando contra a única personagem feminina de destaque no filme, representada apenas como um falso ponto de tensão entre o mestre e seu pupilo.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil

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