Crítica: Animais Fantásticos e Onde Habitam (SEM SPOILERS)

Crítica: Animais Fantásticos e Onde Habitam (SEM SPOILERS)

Hoje podemos dizer que o mundo mágico de J. K. Rowling não se resume “apenas” a Harry Potter. E essa ampliação já estava implícita quando a autora lançou, em 2001, o livro Animais Fantásticos e Onde Habitam – que não é bem um livro, para falar a verdade, mas um glossário com 75 criaturas mágicas. Sob o pseudônimo de Newt Scamander, ela introduziu esse novo personagem de maneira leve e despretensiosa, com poucas informações além dessas: ele nasceu em 1897, foi aluno de Hogwarts, é um exímio magizoologista (pessoa que estuda sobre animais mágicos) e possui uma carreira invejável no mundo bruxo. Além de, é claro, ter todo o respeito de um tal de Alvo Dumbledore.

3

Com o fim da saga de Harry, Rony e Hermione no cinema em 2011, uma legião de fãs se viu órfã das aventuras inesquecíveis que Rowling proporcionou ao longo de sete livros e mais de uma década. Mas Scamander, o personagem em questão (que até poderia passar despercebido por nunca ter aparecido nos livros), foi o vislumbre que a Warner teve para manter a chama de toda a mitologia de Harry Potter acesa; e ninguém perdeu tempo quanto a isso. Em 2013, foi anunciada uma trilogia cinematográfica de Animais Fantásticos e Onde Habitam, na qual J. K. Rowling teria sua primeira experiência como roteirista. Com um time formado por veteranos em Harry Potter, como o diretor David Yates (que comandou os quatro últimos filmes da saga), o produtor David Heyman e o roteirista Steve Kloves, ficou claro que já existia uma boa estrutura, resultando na esperança de que um bom trabalho sairia dali. E em um ano como 2016, em que a peça The Cursed Child estreou em Londres e o livro-roteiro também foi lançado para o restante do mundo saber o que aconteceu “17 anos depois”, é inevitável pensar: Harry voltou. Não necessariamente O Menino que Sobreviveu em pessoa, mas todo aquele universo que o envolvia e que fez milhões de pessoas se apaixonarem e se emocionarem… sim, a essência voltou; o que faz com que a frase ‘Tudo Termina Aqui’, estampada no cartaz de As Relíquias da Morte – Parte II, não faça mais tanto sentido assim.

4

A trilogia (que já não é uma trilogia, e sim uma quintologia) de Animais Fantásticos e Onde Habitam começou a ser desenvolvida ainda em 2013 e o elenco começou a ser formado logo em seguida. Eddie Redmayne (vencedor do Oscar de Melhor Ator por A Teoria de Tudo e que adora Harry Potter), Katherine Waterson (Vício Inerente), Dan Fogler, Colin Farrell (True Detective), Ezra Miller (Precisamos falar sobre Kevin), Alison Sudol e Jon Voight foram os escolhidos para interpretar personagens novos e cheios de potencial, afinal, eles estavam sendo trabalhados pela própria J. K., que afirmou que só voltaria a trabalhar no universo mágico se tivesse uma ideia com a qual estivesse muito animada. De fato, essa tarefa de introduzir personagens e núcleos novos era muito difícil, mas, mais uma vez, a escritora conseguiu surpreender positivamente com seu talento único de contar histórias.

Ambientado em 1926 (aproximadamente 70 anos antes de Harry ingressar em Hogwarts), Animais Fantásticos e Onde Habitam narra as aventuras do jovem inglês Newt Scamander (Redmayne), recém-chegado a Nova York que carrega criaturas mágicas em sua querida maleta. Ele foi estudante da casa Lufa-Lufa em Hogwarts, ou seja: é um homem excêntrico e não está nada familiarizado com as leis da comunidade bruxa norte-americana, que são bem diferentes das que ele convivia na Europa. Na América, o medo da exposição dos bruxos aos No-Majs (versão americana de Trouxas) é muito mais forte do que estávamos acostumados a ver na franquia Harry Potter. E quando o desajeitado Newt sem querer troca de maletas com o No-Maj Jacob (Fogler), algumas das criaturas que tanto ama acabam fugindo pela cidade. Por mais que cuide muito bem de todas, Newt sabe que elas adoram aprontar, cada uma à sua maneira; então, parte em busca de reavê-las com a ajuda de Jacob, mesmo que Tina (Waterson), uma Auror do Congresso Mágico dos Estados Unidos da America (MACUSA) esteja sempre o seguindo com a ajuda de sua irmã Queenie (Sudol) para fazer com que ele seja punido por sua irresponsabilidade.

2

Em paralelo a isso, temos outros dois arcos tão interessantes quanto o principal. O filme nos mostra que 1) o temível bruxo das trevas Gellert Grindelwald (que já duelou com Dumbledore) está à solta após sua fuga da Europa, e 2) uma força misteriosa em Nova York está deixando um rastro de destruição pelas ruas onde passa. Ambas as situações deixam o Congresso Mágico muito preocupado, pois a temida exposição pode acontecer facilmente caso essa força não seja impedida. E Newt, que não estava sabendo de nada disso, se conecta rapidamente ao Congresso por conta da busca de seus animais fantásticos, que fugiram bem quando a ameaça apareceu. As tramas de Grindelwald e dos ataques são importantes para o desenvolvimento da narrativa, e são encabeçadas pelos personagens Graves (Farrell) e Credence (Ezra Miller).

Todos os personagens estão bem inseridos e o lado cômico fala mais alto quando se trata de Newt e Jacob, que acabam formando uma dupla atrapalhada no quesito capturar animais fantásticos, porém bem sucedida em fazer o público se divertir. Dan Fogler pode ser o ator menos conhecido dentre todos, mas sem dúvidas é o que mais se destacou – principalmente por conseguir representar ninguém menos que os fãs ao ver coisas inacreditáveis. Eddie Redmayne está realmente confortável no papel principal e cativa o espectador com suas trapalhadas e timidez. Ele não é um herói comum e isso passa longe de ser algo negativo. Os personagens Graves e Credence têm auras misteriosas e pesadas, dignas dos plots que eles possuem, e isso é logo visto em suas primeiras cenas. Tina, sendo o interesse amoroso de Newt, tem muita força e com certeza será mais explorada nos próximos quatro filmes. Quanto a aparição de Johnny Depp como Grindelwald: a cena em que ele aparece é breve e não há muito o que adiantar, apenas que tanto sua caracterização como a cena em si foram bem marcantes. Polêmicas a parte, não dá para negar que a promessa dele ser um ótimo vilão ainda é certa.

E por falar em personagens, não há como esquecer daqueles que fizeram o filme de fato acontecer. Os animais criados por Rowling são visualmente incríveis e o melhor de tudo é que todos possuem tempo suficiente em tela para sabermos distinguir quem é quem (ou o que). Pelúcio e Tronquilho sem dúvidas serão os mais comentados pelos fãs. Além disso, é emocionante ver o carinho e dedicação que Newt tem por cada um deles; afinal, foi uma longa jornada até ele salvar e dar um lar saudável a todos. A dedicação que o magizoologista tem é admirável, e Redmayne transporta todo seu sentimento pelas criaturas de modo natural.

fantastic-beasts-find

J. K. Rowling sabe, mais do que ninguém, como introduzir vários elementos simultaneamente sem deixar a história corrida ou confusa. Sua estreia como roteirista exalta não só suas qualidades como escritora como também sua vontade em homenagear o universo que a tornou mundialmente conhecida. É incrível ver o cuidado que Rowling tem em deixar tudo em seu devido lugar, dando a atenção necessária em todos os aspectos do filme, inclusive aproveitando os plots para abordar o preconceito e a intolerância, temas muito utilizados em Harry Potter. A introdução das aventuras de Scamander ao mundo mágico é feita de uma maneira que faz os olhos de um Potterhead brilharem sem o mínimo de esforço, pois as referências, tanto em diálogos quanto em objetos e ambientes, tornam tudo muito familiar. É como visitar uma casa antiga que teve muita importância em sua vida e ver que ela ainda está idêntica, apenas com novas pessoas morando nela.

Referências e homenagens à parte, é importante destacar que, como cinema, Animais Fantásticos e Onde Habitam é um blockbuster de alto nível. Diferente de decepções como Esquadrão Suicida (que só prometeu e não cumpriu), este retorno ao mundo mágico é realmente um prato cheio quando se trata de encaixar ação, romance e comédia em um filme que tem a magia como carro-chefe. A presença David Heyman (que foi produtor de todos os filmes da franquia HP) na equipe é um dos motivos que fazem o filme soar tão familiar em sua aparência e execução. Aliando isso com a direção precisa de David Yates, temos um longa que não possui a mesma linguagem dos filmes anteriores, destacando-se justamente por isso ao inserir de vez o lado sombrio e agitado – lado esse que foi construído aos poucos em Harry Potter.

Mas como nada é perfeito… é preciso dizer que um furo específico no roteiro quase beira o inacreditável no terceiro ato. Sim, inacreditável, porque com tudo de bom que já foi visto até então, algo tão sem explicação soa fora do comum – ainda mais se tratando de Rowling, que sempre faz tudo com um perfeccionismo louvável. É difícil falar algo sobre essa observação sem dar spoilers, mas creio que todos que assistirem vão perceber o que é. De qualquer maneira, se foi realmente um erro ou uma ponta solta para o próximo filme (o que seria até aceitável), só vou poder ter certeza em 2018.

Animais Fantásticos e Onde Habitam é a ampliação de um universo que possui muito potencial e dedicação envolvidos. Harry Potter e Voldemort eram apenas uma parcela do que J. K. Rowling tinha guardada em sua mente, e agora podemos ver mais uma parte, em uma época totalmente distinta, com Newt Scamander. O primeiro filme já mostra que essa não será uma franquia infantil, mas uma franquia que abordará o mundo bruxo com olhos mais maduros – e, curiosamente, essa abordagem se iguala com a experiência que a maioria dos fãs terá ao conferir a história no cinema. A abordagem pode ter mudado, mas a essência continua a mesma.

FICHA TÉCNICA
Direção: David Yates
Roteiro: J.K. Rowling
Elenco: Alison Sudol, Carmen Ejogo, Christine Marzano, Colin Farrell, Dan Fogler, Eddie Redmayne, Ezra Miller, Fanny Carbonnel, Gemma Chan, Jason Newell, Jason Redshaw, Jenn Murray, Joe Malone, Jon Voight, Katherine Waterston, Lasco Atkins, Lobna Futers, Lucie Pohl, Peter Breitmayer, Ron Perlman
Produção: David Heyman, J.K. Rowling, Lionel Wigram, Neil Blair, Steve Kloves
Fotografia: Philippe Rousselot
Montador: Mark Day
Trilha Sonora: James Newton Howard
Duração: 133 min.

Barbara Demerov