Crítica: Aniquilação

Crítica: Aniquilação

Alex Garland volta à direção com sci-fi macabro e profundamente estranho

Imagem de Aniquilação

De cabeça, são poucos os filmes que lembro terem transmitido uma atmosfera convincentemente alienígena. O Enigma de Outro Mundo, Sob a Pele e o esquecido Fogo no Céu são alguns deles. Com a estreia internacional de Aniquilação hoje (12) na Netflix, essa lista acaba de crescer, e seus assinantes também podem se aliviar do gosto amargo deixado pelos seus recentes equívocos da empresa no gênero sci-fi.

Dirigido e roteirizado por Alex Garland, do assombroso sci-fi Ex Machina, o filme tem base no primeiro livro de uma trilogia autorada por Jeff Vandermeer. Sua história começa vaga, repleta de questões e sublinhada por uma tensão difícil de compreender no início. O que é de fato claro: veremos tudo sob a ótica da professora e ex-militar Lena (Natalie Portman), que para entender estranhas ocorrências com o marido (Oscar Isaac) se junta a um grupo de mulheres para investigar uma anomalia que pode ou não ser alienígena. Se está faltando clareza nesta explicação, é porque a melhor maneira de se assistir a Aniquilação é sabendo o quanto menos.

Sem muita enrolação, o filme de Garland se apresenta principalmente como um thriller de sobrevivência, embora com ideias profundamente enraizadas na ficção-científica. Tem-se o elenco esperado em um filme do tipo (desta vez, todas mulheres), com dinâmicas um bocado previsíveis, assim como os diálogos de teor científico que são um tanto mastigados. Isso pelo menos é aliviado pelas boas atrizes, que não comprometem mesmo quando seus diálogos são construídos em constatações óbvias.

A estrela, claro, é Portman, que além de conferir carisma a Lena consegue expressar muito bem sua confusão mental diante do desconhecido. Sua personagem também é, de longe, a mais forte em desenvolvimento e caracterização, o que muitas vezes não ocorre com personagens que servem ao papel de conduítes do público. A única a chegar perto de uma maior profundidade é a misteriosa Ventress, numa interpretação comedida de Jennifer Jason Leigh.

No entanto, a falta de outras figuras mais profundas não chega a ser o maior dos problemas, afinal o foco de Aniquilação está em suas ideias. Estou certo de que não captei todas devidamente, mas há muito de inusitado na maneira como a “aventura” se desenrola. E como disse no início do texto, há a sensação constante de estar testemunhando algo realmente alienígena e ameaçador, para o qual as regras do jogo são completamente outras. Tudo culmina em um sequência final marcante que, como a trilha de Geoff Barrow e Ben Salisbury, deixa o sinistro e simplesmente mergulha no lisérgico sem aparentar pretensiosa.

Os efeitos, por sua vez, falham em atingir alguma consistência. Em certas horas, funcionam que é uma beleza, como numa macabra cena que traz memórias do já mencionado O Enigma de Outro Mundo. Em outras, são tão pouco palpáveis que impedem certos momentos de atingir reações mais viscerais. No geral, ainda há um certo capricho que o distinga de outras produções lançadas diretamente em streaming e on demand (o longa foi exibido nos cinemas do EUA).

Como um todo, Aniquilação não satisfaz facilmente. Até mesmo os fãs de sci-fi hardcore podem se ver coçando suas cabeças no final, sem muita ideia do que achar. Também não há a mesma clareza de visão e o mesmo impacto emocional vistos em Ex Machina. Mas este filme prova, acima de tudo, que Alex Garland está disposto a fugir da zona de conforto no que é apenas seu segundo trabalho como diretor. E isso não se vê todo dia.


Trailer

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.