Crítica: A Chegada (SEM SPOILERS)

Crítica: A Chegada (SEM SPOILERS)

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Como se Sicario – Terra de Ninguém já não o tivesse feito, A Chegada, que estreia nesta quinta-feira, consolida o franco-canadense Denis Villeneuve como um dos melhores diretores deste ainda jovem século. Anunciado há mais de um ano, o longa adapta a premiada história de ficção-científica Story of Your Life, de Ted Chiang. Enquanto Villeneuve já trabalhava na esperada sequência Blade Runner 2049, cinéfilos do mundo todo aguardavam por sua primeira incursão no território sci-fi. Com a chegada (duh) deste novo longa, confirma-se o melhor dos cenários: não se trata apenas de seu melhor filme até hoje, mas também de, arrisco dizer, um dos melhores filmes de ficção-científica já concebidos.

Devo dizer que o enredo de A Chegada é virtualmente impossível de se explicar em detalhes sem que algumas surpresas sejam entregues. Isso posto, conta a história da linguista Louise Banks, que, após a aparição de 12 misteriosas naves pelo mundo todo, é recrutada pelo exército norte-americano para estabelecer uma forma de comunicação entre os humanos e as criaturas que habitam dentro das chamadas “conchas”, com fins de descobrir o propósito da aparição e se tais alienígenas, conhecidos como heptapods, representam alguma possível ameaça para o planeta. Falar mais do que isso já tiraria o elemento de surpresa das tramas mais emocionais que pontuam o roteiro, adaptado com primor e uma surpreendente concisão por Eric Heisserer, que fez um trabalho razoável no terror baseado em curta-metragem Quando as Luzes se Apagam.

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O roteiro de Heisserer, somado à condução sempre confiante de Villeneuve e moldado pela expressiva montagem de Joe Walker, deixa, entre um sem-número de reflexões, a forte constatação de que nós como audiência temos uma grande propensão a cair em nossas próprias armadilhas pessoais ao tentarmos imprimir nossas ideias já tão engessadas de linearidade.

Assim como o cativante O Predestinado, lançado diretamente em DVD, A Chegada é um longa que desafia o espectador e o convida a fazer uso constante de sua percepção, mas também, o que é importante, sem se converter em uma fortaleza impenetrável regida por alegorias vaidosas e conceitos impossivelmente complexos. Em uma época de filmes mainstream tão fácil e instantaneamente tragáveis, é um respiro de ar-fresco ver uma obra que deposita tanta confiança na inteligência de seu público e que traz recompensas à altura.

Ainda melhor, a grande força ao centro de tudo é ninguém menos que Amy Adams, que faz mais do que jus a todo o hype que cercou a produção ao entregar uma interpretação exímia de um papel visivelmente complicado e repleto de nuances. Muito provavelmente a atriz, já indicada a 5 Oscars (!), finalmente emplaque sua primeira estatueta sob a pele de Louise, uma das mais deliciosamente imponentes personagens vistas em uma tela de cinema em 2016 (sim, está lá em cima com a Clara de Sônia Braga, do ótimo Aquarius).

Tirando o máximo de seu já ótimo texto, Adams compõe Banks com uma atitude desafiadora e nunca previsível, rendendo alguns dos melhores diálogos do ano, como quando a personagem apresenta sua definição de “guerra” e quando questiona o uso de mahjong, um jogo de vitória e derrota, como forma de comunicação pelo exército chinês com os alienígenas.

Como elenco de apoio para Adams, tem-se Jeremy Renner, que ao encarnar o matemático Ian felizmente resgata seu carisma desaparecido desde que entrou para o universo Marvel, e o veterano Forest Whitaker, cujo papel como o Coronel Weber não lhe dá muito espaço para brilhar, apesar de não comprometer o talentoso ator. Há também uma breve porém graciosa aparição do chinês Tzi Ma como um militar de alta-patente, que junto com Adams protagoniza uma das melhores cenas do longa.

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Visto que se trata de um longa de Villeneuve, A Chegada é também um deleite visual e sonoro. Apesar de não marcar tanto quanto os trabalhos de Roger Deakins em Os Suspeitos e Sicario, a fotografia de Bradford Young, do excelente O Ano Mais Violento e o celebrado Selma – Uma Luta pela Igualdade (o qual eu ainda não assisti, confesso), traz vistas repletas de atmosfera e maravilhamento, como o longo plano mostrando o local de pouso da “concha” em Montana e praticamente todas as sequências ambientadas na nave, especialmente o momento no qual Louise e o resto da equipe “trocam” de gravidade.

Já a trilha sonora do usual colaborador Jóhann Jóhannsson, indicado ao Oscar por A Teoria de Tudo e Sicario, por sua vez investe em um estilo mais onírico do que o seu opressivo trabalho anterior, mas ainda usa cordas de maneira que há sempre uma atmosfera constante de suspense e cautela, como por exemplo, nos crescendos abruptos da faixa First Encounter, reminiscente do trabalho de Jóhannsson em Sicario. Devo parabenizar também as equipes de direção de arte e efeitos visuais por criarem, respectivamente, um ambiente expressivamente minimalista dentro da “concha”, com suas paredes lindamente texturizadas, e os heptapods, desenhados e animados de maneira marcante e levemente grotesca, porém nunca tola ou cartunesca.

Desde que teve seu lançamento no festival de Telluride, no Colorado, A Chegada tem gerado a típica Oscar buzz desta época de fim de ano. Com Os Suspeitos e Sicario, o caso foi o mesmo, porém nenhum dos dois emplacou em nenhuma das categorias principais no grande prêmio (dito isso, seu excelente Incêndios foi indicado na categoria de melhor filme estrangeiro, em 2011). Apesar deste novo longa ser muito mais contido, cadenciado e cerebral do que ambos seus predecessores, espera-se que esta seja a hora na qual um filme de Villeneuve seja devidamente reconhecido na temporada de prêmios, pois assim sua visibilidade pode ser catapultada, o que por sua vez pode trazer uma maior parcela da atenção que tanto merece.

A Chegada é uma obra questionadora e corajosa, que nos convida a revisar tudo o que achamos que já sabemos, sendo também uma ode à erudição e aos estudos e o poder que estes guardam sobre nosso desejo constante por respostas imediatas. A inteligência humana é nossa maior virtude e nossa mais forte arma, podendo ser usada para o bem, trazendo diálogo, união e crescimento. “Use weapon”.

OBS: recomenda-se a leitura do conto original APÓS assistir ao filme, com fins de preservar algumas pequenas surpresas da narrativa.


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Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.