Crítica: Ferrugem

Crítica: Ferrugem

Drama brasileiro propõe discussões de questões atuais, sem oferecer respostas fáceis

Imagem do filme 'Ferrugem'

Assim como Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor, Ferrugem tem como grande mérito falar da questão contemporânea do linchamento virtual e suas consequências no mundo real. Telas de celulares e computadores viram armas capazes de destruir reputações em alguns cliques, revelando o que há de mais cruel no comportamento humano.

Se no longa de Jabor a questão era um professor de natação acusado de pedofilia, aqui, o diretor Aly Muritiba (do ótimo Para Minha Amada Morta) fala dos vídeos de conteúdo sexual feitos por casais em momentos de intimidade que mais tarde acabam circulando por grupos de whatsapp, sem o consentimento dos envolvidos – na maioria das vezes, detonando um processo de bullying bem mais pesado para cima da mulher do que para o homem, algo emblemático dentro de uma sociedade machista.

Ferrugem é dividido em duas partes, de tons bastante distintos. Na primeira, o filme adentra o típico ambiente das histórias de “coming of age“: os personagens são adolescentes numa excursão escolar, participando de brincadeiras no estilo jogo da verdade e passando pelas primeiras experiências românticas. Tati (Tiffanny Dopke) acabou de terminar um namoro, e agora flerta com Renet (Giovanni de Lorenzi), um jovem caladão e misterioso, que aparenta ser um sujeito sensível.

Porém, o que era poderia ser o começo de um relacionamento feliz sofre uma reviravolta quando a garota perde o celular e, mais tarde, vê um vídeo íntimo feito com o ex-namorado, até então arquivado no aparelho, vazar no grupo do colégio. Tati passa a ser provocada nos corredores e temer a reação dos pais, o que a leva a tomar uma atitude drástica.

Se, durante este começo, Aly Muritiba filma o universo adolescente com cores fortes, música e diálogos constantes, num formato até bastante convencional, o longa ganha densidade a partir da segunda metade.

A partir daí o foco é em Renet, isolado com o pai (Enrique Diaz), a irmã e o primo numa casa de praia. Ali os conflitos são mantidos em suspenso por conta da atmosfera ensimesmada de seu protagonista (“um enigma”, como outra personagem lhe define). Os planos são mais longos e silenciosos, e as conversas não fluem, de forma proposital, para mostrar como a falta de diálogo pode ser também uma fuga quando o contexto é pesado demais para ser colocado em palavras. É preciso a chegada de um elemento externo, no caso a mãe interpretada por Clarissa Kiste, para ver o quanto aquela situação é absurda e tentar colocar a coisa em ordem.

O roteiro, escrito por Muritiba e Jessica Candal, não tem como objetivo investigar o responsável pelo vazamento daquele vídeo, mas sim as consequências que uma atitude tomada num momento de fragilidade (ciúme, talvez) podem trazer. Não à toa, o filme começa com a imagem de um animal marinho que ataca para se defender, algo também comum entre as pessoas.

Sem a pretensão de propor soluções fáceis, Ferrugem serve como ponto de partida para discussões, preferindo a introspecção à contundência.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil

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