Crítica: Morte Sobre Rodas

Crítica: Morte Sobre Rodas

Este filme faz parte da programação oficial da 41ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Não me recordo de nenhum longa recente que desfira tamanho soco contra o capacitismo quanto o húngaro Morte Sobre Rodas. Comédia subversiva com momentos de drama sombrio, o filme do diretor Attila Till acaba apostando em clichês e uma reviravolta final que quase o anula, mas ainda assim ocupará a memória do espectador por sua perspectiva única.

Zolika (Zoltán Fenyvesi) e Barba (Ádám Fekete) são dois adolescentes que vivem em um centro de tratamento para deficientes físicos, e testemunham a chegada de Rupaszov (Szabolcs Thuróczy), misterioso sujeito que, após um acidente de trabalho, foi paralisado da cintura para baixo. Acontece que Rupas é nada menos que um assassino profissional para a máfia sérvia, tentando a dupla de amigos a participar de seus contratos.

Retratando a ação de maneira realista, Morte Sobre Rodas nunca usa da condição física do elenco como um artifício para a comédia. O roteiro do próprio Till ri com, e não dos, personagens. Os dois atores adolescentes, que apresentam deficiências físicas, brilham em seus retratos honestos de uma vida a qual poucos atribuem normalidade. Vemos os dois como realmente são: completamente humanos. Seus corpos e suas necessidades são diferentes, mas suas mentes são jovens, audaciosas.

Contudo, enquanto muitos filmes sobre o tema apostam pesam a mão no drama (até mesmo elencando atores que não vivem tais dificuldades), Morte Sobre Rodas é um dedo do meio seguido de um sorriso ao público que vê seus personagens como meros coitados. A premissa ácida é realizada com um senso de humor afiado e bem-observado, repleto de alma. Os momentos dramáticos, por sua vez, são contidos e contam com boas constatações, ajudados também pela naturalidade do elenco todo.

Infelizmente, as boas intenções de Till também trazem um problema a Morte Sobre Rodas: sua revelação final. Mesmo que a guinada explique grande parte dos furos de roteiro e a própria forma estética do filme, sente-se que a narrativa teria um maior poder de permanência com o público caso se mantivesse fiel à premissa inicial. É um momento que, apesar de conferir maior dimensão ao drama, acaba diluindo o impacto visceral que a trama vinha construindo.

Outro problema está no uso de música, pouquíssimo orgânico. São no geral faixas de rock bastante tradicionais, algumas simplesmente fora de lugar e outras que são descaradamente repetidas, dando a impressão de que talvez a atual trilha seja uma escolha de última hora para preencher certos momentos de silêncio.

Morte Sobre Rodas ao menos prova ser possível uma abordagem honesta, espirituosa e sem caretices da deficiência física, que ainda parece ser tabu no cinemão pipoca. Mais que isso, deixa bem claro que todo e qualquer tipo de capacitismo é sinônimo de ignorância e condescendência. Apenas por isso, o filme de Attila Till já merece ser visto.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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