Crítica: Mulheres Alteradas

Crítica: Mulheres Alteradas

Comédia nacional não inova no humor, mas diverte e encanta com uma linguagem própria

Não dá pra negar que boa parte do público de cinema brasileiro vai aos cinemas apenas para se divertir, buscando um entretenimento com a família. Comédias acabam sendo um prato cheio pra esse tipo de objetivo, e como esperado, é o gênero mais distribuído e que mais vende em nosso país.

O novo filme de Luis Pinheiro, Mulheres Alteradas, é um filme com um roteiro convencional, que não se arrisca em novas e criativas formas de fazer a plateia rir, apenas utilizando de truques que estamos acostumados, mas ainda assim consegue arrancar alguns bons risos. Porém, o filme se diferencia mesmo é em seus elementos técnicos, que constroem uma identidade pouco vista em comédias nacionais.

O foco está no cotidiano de quatro mulheres, cada uma enfrentando problemas bem particulares: Keka (Deborah Secco) enfrenta uma crise no casamento com Dudu (Sérgio Guizé), Marinati (Alessandra Negrini) é uma workaholic que repentinamente se apaixona por Christian (Daniel Boaventura), Leandra (Maria Casadevall) sente-se bastante insegura pelo fato de ainda não ter constituído uma família e Sônia (Monica Iozzi) está cansada da rotina doméstica e sonha com a época em que era solteira.

Inspirado nos quadrinhos criados pela cartunista argentina Maitena, o filme se desenvolve em um ritmo de roteiro agradável que dá tempo para o espectador se identificar com as situações vividas por Keka, Marinati, Leandra e Sônia. As quatro mulheres são bem interpretadas por suas atrizes, em especial Deborah Seco e Alessandra Negrini, que aqui se mostram as verdadeiras protagonistas do filme, uma vez que seus pares amorosos parecem possuir mais cenas que as personagens vividas por Casadevall e Iozzi.

Um aspecto que ajuda a envolver o público em cada cena é a presença da trilha sonora. Tanto pelos efeitos sonoros quanto pela soundtrack, que apesar de aqui apresentar várias músicas de gêneros e linguas diferentes (o que às vezes causa uma infeliz salada mal idealizada), ainda conta com boas músicas nacionais (de Os Mutantes até Caetano Veloso) que harmonizam com a proposta cômica, alegre, ou dramática das cenas.

Os conflitos e relações dos casais funcionam, assim como o drama passado por Leandra e Sônia. Fica claro que o título do filme apenas indica o quanto é difícil ser mulher em um mundo dominado por homens, cheio de pressões sociais e midiáticas, que mais causam infelicidade do que realização. De maneira simples (mas direta e eficaz), Mulheres Alteradas transmite bem sua mensagem, trazendo um espírito jovial que reflete a vontade ser livre e aproveitar a vida com as pessoas que gostamos, e não nos importarmos tanto com o que a sociedade espera de nós.

Se o roteiro de Caco Galhardo tem seus problemas de comicidade, a montagem de Ricardo Gonçalves traz cortes precisos e um sentido cômico/interessante na transição de algumas cenas, principalmente durante o final do primeiro ato. Vemos uma coerência de cena de alguma personagem que se repete e evidencia (de maneira semelhante ou oposta) no exato corte que nos joga para próxima cena. Só assistindo para entender (e admirar).

Porém a parte mais gostosa do filme, é poder contemplar um apelo visual tão bem implementado em uma comédia nacional. Com técnicas aprimoradas capaz de deixar qualquer fã de Her (2013) maravilhado, a perspectiva singular de Luis Pinheiro em uma direção sábia e ousada expõe o talento inquestionável de sua equipe técnica. Incrível é a palavra que define a belíssima combinação entre a fotografia de Will Etchbehere e a direção de arte de Guta Carvalho. Cenários coloridos com cores fortes e impactantes se derretem aos olhos do espectador com a presença de uma iluminação certeira, que utiliza dos mais variados difusores e filtros para refletir o estado dos personagens, além dos movimentos e enquadramentos de câmera pra lá de originais.

Mulheres Alteradas nos apresenta uma boa história, cômica em alguns momentos, mas que funciona mais como uma ótica sobre a transformação de mulheres angustiadas com suas vidas pessoais. Pessoalmente, espero que este filme cause impacto com sua qualidade audiovisual, e faça alguns espectadores valorizarem mais a verdadeira capacidade cinematográfica de nosso país, sem julgar por antecipação produções por seus gêneros e tentar colocá-las em determinadas caixas de desprezo sem ao menos dar uma chance de se impressionar.

FICHA TÉCNICA
Direção: Luis Pinheiro
Roteiro: Caco Galhardo
Elenco: Deborah Secco, Alessandra Negrini, Monica Iozzi, Maria Casadevall, Sérgio Guizé, Daniel Boaventura
Produção: Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck
Fotografia: Will Etchbehere
Arte: Guta Carvalho
Montagem: Ricardo Gonçalves
Gênero: Comédia
Duração: 95 min.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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