Crítica: A Nona Vida de Louis Drax

Crítica: A Nona Vida de Louis Drax

Desde que despontou com o polêmico Alta Tensão, o diretor francês Alexandre Aja garantiu uma reputação como autor de filmes de terror. Após uma dolorosa queda com o risível Espelhos do Medo, Aja teve uma recuperação ao adaptar o livro Horns, de Joe King, com o filme Amaldiçoado, que é protagonizado por Daniel Radcliffe. Apesar da recepção negativa de Amaldiçoado pela crítica, este também criou uma modesta quantidade de admiradores (eu incluso), principalmente pela maneira como Aja dominava suas constantes mudanças de tom. Em A Nona Vida de Louis Drax, adaptação do best-seller de Liz Jensen, Alexandre Aja prova que é nessas mudanças e costuras de diferentes tons que está seu principal atributo diferencial, sendo uma peça-chave que torna a obra muito mais eficiente do que o esperado.

Louis Drax, descrito como o “o extraordinário garoto propenso a acidentes”, é hospitalizado após sofrer uma grave queda, em circunstâncias misteriosas. Natalie, a mãe do garoto, está obviamente abalada e raramente deixa a ala na qual o garoto está internado. Peter, o pai, está desaparecido e é considerado um suspeito em potencial, podendo ter causado ou não a queda de Louis. O Doutor Allan Pascal, especialista em tratar pacientes com coma, envolve-se mais e mais com o caso após descobrir a propensão do garoto, e ainda mais, sua capacidade de sobreviver a situações tão fatais. O mistério então toma proporções cada vez mais surreais e Pascal deve procurar a ajuda do antigo psiquiatra de Louis, o Dr. Perez, para chegar à verdade por trás de tudo. Parece tudo extremamente sombrio e sufocante, não?  Há uma diferença, porém, entre a história e a maneira como esta é contada, e é na sua peculiar abordagem que o filme de Aja brilha.

O roteiro adaptado pelo ator Max Minghella é em muitos momentos costurado de maneira problemática, mas é nas escolhas estilísticas, que acredito serem inspiradas pelo livro original, que está a principal atração. No estilo eternizado pelo clássico Rashomon, de Kurosawa, temos aqui uma narrativa cheia de camadas, sendo que cada uma delas apresenta um estilo e um tom específico. O longa começa com a narração do próprio Louis, que apresenta sua bizarra condição de vida no melhor estilo da literatura infanto-juvenil recente (mais ou menos como um Diário de um Banana pontuado por elementos mais mórbidos). Quando o ponto de vista narrativo alterna para a mãe do garoto e o dr. Pascal, a obra assume a forma de um drama adulto para depois evoluir em um thriller psico-erótico. Há até cenas de pura fantasia que trazem à memória os trabalhos de Guillermo Del Toro. Sob o controle confiante de Aja, surpreendentemente, toda essa mistureba, apesar de causar certo estranhamento, consegue ser executada de maneira coerente, sem sacrificar a identidade prima do filme.

Mas se a identidade do filme consegue se manter intacta, o elenco aqui tem um desempenho desnivelado, algo causado já pela diferença de caracterização de cada integrante pelo roteiro. O garoto Aiden Longworth adequou-se com muita personalidade ao papel de Louis, e suas cenas com o psiquiatra de Oliver Platt e o pai interpretado por Aaron Paul são as melhores do filme, trazendo ótimos momentos de alívio cômico e diálogos repletos de emoções honestas, respectivamente. Sarah Gadon, que interpreta a mãe, é prejudicada por um papel limitado, fato que chega a minar alguns momentos importantíssimos da trama, retratada de maneira perigosamente simplista e redutiva (claro, o longa tenta traduzir a mentalidade de uma criança a todo momento, mas considerando algumas das revelações finais, há um pouco de descuido na maneira com a qual a personagem é construída). Por fim, Jamie Dornan, um bom ator contaminado pela má reputação de sua atual franquia Cinquenta Tons, aqui recebe outro papel ingrato, um médico especializado que não evidencia suas tão famigeradas habilidades, um amante estoico e sem química e também, acima de tudo, um personagem risivelmente ingênuo.

Com relação aos aspectos técnicos, pode-se dizer que se fez o máximo possível com um orçamento limitado. Apostando em estilosas movimentações de câmera e efeitos majoritariamente práticos, Nona Vida justifica a ida ao cinema, mesmo que não seja uma experiência obrigatória. A impactante fotografia de Maxime Alexandre e a bela trilha original de Patrick Watson ambas incorporam as frequentes mudanças de tom do enredo, a primeira misturando paletas quentes e frias com sutileza e a última pontualmente plantando leves desafinações em faixas mais animadas antes de mudar a marcha para algo mais opressivo.

Diretor de cinema há mais de uma década, Alexandre Aja é um autor que constantemente trabalha com materiais que não lhe fazem jus.  No entanto, com Amaldiçoado e este A Nona Vida de Louis Drax, roteiros imperfeitos mas admiravelmente ambiciosos em suas idiossincrasias, o francês comprova que seu talento vai muito além de sua habilidade de chocar, evidenciando grande sensibilidade artística e o merecimento de projetos mais ricos e maduros.


Trailer

FICHA TÉCNICA
Direção: Alexandre Aja
Roteiro: Max Minghella
Elenco: Aiden Longworth, Oliver Platt, Aaron Paul, Sarah Gadon, Jamie Dornan, Barbara Hershey
Produção: Alexandre Aja, Tim Bricknell, Max Minghella, Shawn Williamson
Fotografia: Maxime Alexandre
Montagem: Baxter
Trilha Sonora: Patrick Watson
Duração: 108 min
Gênero:  Drama / Suspense         

Distribuidora: Imagem Filmes

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.