Crítica: O Retorno de Ben

Crítica: O Retorno de Ben

Amar até as últimas consequências

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Se tivesse sido produzido há 20 anos, é bem possível que O Retorno de Ben, filme dirigido por Peter Hedges (que tem no currículo outras longas sobre famílias em conflito,Do Jeito que Ela É e Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada), tivesse viés maniqueísta e mensagem que flertaria com o moralismo barato para abordar um tema cuja complexidade nos aspectos psicológico e social são extremas.

A trama retrata a volta de Ben (Lucas Hedges), jovem dependente químico e com passado criminoso, para a casa de sua família na véspera de Natal. A chegada do rapaz tem perspectiva ambivalente, pois, ao mesmo tempo em que sua mãe, Holly (Julia Roberts), e sua irmã, Holly (Kathryn Newton), ficam felizes com o seu retorno, Neill (Courtney B. Vance), o padrasto, mostra-se pouco confortável com o regresso – de certo modo, sua postura é justificada, pois o evento pode representar riscos a todos, inclusive para os filhos caçulas dele, Holly e Ivy (Kathryn Newton).

Apesar de Holly vencer a resistência de Neill e convencê-lo a deixar Ben passar a cerimônia de Natal com eles para, aí sim, ser levado a uma rehab no dia seguinte, o clima de desconfiança é eminente. Um dos motivos para o padastro ter desconfiança atroz do jovem está relacionado ao passado criminoso dele, pautado por aspectos como furtos e tráfico de drogas, a ponto de afirmar em momentos do filme que se ele fosse negro, seguramente estaria preso.

Apesar de secundária dentro do roteiro, a questão racial tangencia a narrativa, ao mostrar aspectos relativos ao privilégio sociorracial de pessoas brancas, especialmente numa questão delicada como a dependência química. No panorama costumeiramente relacionado ao tema, um jovem branco é considerado dependente químico e doente – o que é o caso em última análise -, mesmo cometendo delitos. Em contrapartida, um jovem negro na mesma situação seria considerado bandido. Em resumo: a questão do racismo estrutural é retratada de modo sutil, mas contundente.

A condição estipulada por Holly para Ben ficar é ela estar de olho nele o tempo todo, o que inclui monitorar o envio de mensagens, acompanhá-lo ao shopping center, a uma reunião de narcóticos anônimos e até mesmo estar ao lado dele no provador de uma loja – esse é, inclusive, um dos primeiros momentos pontos de virada da narrativa.

O que vem em diante aumenta o clima de suspense da história conforme se desenrola: a tensão entre mãe e filho aumenta e o caos está instaurado quando Ponce, o cachorro da família, desaparece após a casa da família ter sido invadida. A partir desse momento, Ben está determinado a consertar os erros cometidos no passado e a regenerar-se, ao passo que Holly tenta fazer de tudo para proteger o filho e a salvar-se de si mesmo – além de ambos saírem em um busca desesperada para localizar Ponce. A escalada da narrativa ao suspense é evidenciada pela fotografia, que se torna soturna e frenética, análoga a um filme de ação em alguns momentos, conforme a trama se desenrola.

O ápice é pautado pelo desespero de Holly, que toma medidas desesperadas em sequência para evitar o que ela considera ser o pior. Concomitantemente, Ben é obrigado por Clayton (Michael Esper), traficante para quem trabalhou, a fazer uma última entrega de drogas para voltar para casa com Ponce – o traficante revela-se como o invasor a casa da família e usa o rapto do cão como um claro recado ao jovem de que ele precisa acertar as contas do passado para, aí sim, pensar na desejada redenção.

As atuações de Hedges e de Julia Roberts, em especial, dão o peso necessário para a história se sustentar. Além disso, a abordagem principal do longa, relacionada às complicações sociais e pessoais relativas à dependência química, é feita ao levar em consideração as complexidades do tema e sem cair no reducionismo.

Amauri Eugênio Jr

Jornalista. Cinéfilo, crítico cultural wannabe e interessado por assuntos relativos a esportes, direitos humanos e minorias. Foi redator de cinema do Yahoo por um ano.