Crítica: Promessa ao Amanhecer

Crítica: Promessa ao Amanhecer

Apoiado no talento de Charlotte Gainsbourg, drama francês retrata relação intensa entre mãe e filho

Imagem do filme 'Promessa ao Amanhecer'

Nenhum outro personagem soma mais do que cinco minutos em tela durante as 2h11 de Promessa ao Amanhecer. Focado completamente no vínculo entre o escritor francês Romain Gary e sua mãe, Nina, o filme mostra como o elo entre os dois moldou suas vidas, principalmente a escolha de Romain por ser escritor – sua mãe não aceitaria um filho pintor nem músico, para, segundo ela, ele alcançar a fama ainda em vida. O reconhecimento poderia vir também matando Hitler, mas a ideia foi descartada antes do plano entrar em ação, num dos momentos que mostram como era ambiciosa e intensa a relação dos dois.

Quem conhece a literatura francesa sabe que Gary, além de diplomata e piloto militar da aeronáutica, eventualmente se tornou um dos autores mais reconhecidos de seu país. Foi duas vezes vencedor do tradicional prêmio Goncourt e chegou a publicar quase trinta romances, entre as décadas de 40 e 80. O próprio filme, escrito por Marie Eynard em parceria com o diretor Eric Barbier, é inspirado em uma destas obras.

Quadrado em sua linguagem quase o tempo todo e sem negar a origem literária, o melodrama até arrisca em dado momento inserir breves montagens que colocam o protagonista em meio a imagens de arquivo da Segunda Guerra. Há também uma cena visceral de confronto aéreo, perto do final, capaz de despertar o espectador que àquela altura possa estar se sentindo um tanto quanto sonolento.

Na maior parte do tempo, porém, a principal atração é mesmo o talento de Charlotte Gainsbourg, indicada ao César (o Oscar francês) de melhor atriz este ano pela performance. A personagem excêntrica, dada a rompantes como convencer um ex-colega ator a se passar por um famoso estilista e assim alavancar sua linha de roupas e acessórios, poderia ser uma armadilha. Mas Charlotte, que interpreta Nina até a velhice, tem tempo de costurar esta figura com nuances e fragilidades, evitando cair apenas no clichê da matriarca superprotetora visto outras vezes no cinema.

Três atores se revezam no papel de seu filho. Pawel Puchalski faz Romain Gary dos 8 aos 10 anos de idade, Némo Schiffman dos 14 aos 16 e, finalmente, Pierre Niney (de Yves Saint-Laurent e do ótimo Frantz, lançado ano passado). São atuações corretas, mas sempre à sombra da co-protagonista. A presença de Nina/Charlotte é tão forte, que também as outras mulheres da trama são relegadas a serem quase figurantes. É uma escolha consciente, justificada no monólogo final, quando Gary verbaliza o fato de não encontrar ninguém que se compare à mãe.

Por mais que possa parecer uma relação obsessiva, o tom de Promessa ao Amanhecer é de tributo à ligação entre os dois. Algo tão universal que é impossível não se identificar com algumas situações.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil