Crítica: Terra Estranha

Crítica: Terra Estranha

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Em Terra Estranha, longa de estreia da australiana Kim Farrant, temos um roteiro que, em toda sua frustrante ambiguidade, acaba se perdendo junto com seus protagonistas. Misturando um drama realista com elementos mais místicos e até mesmo pós-apocalípticos, porém, Farrant demonstra ser uma realizadora promissora, e pode se tornar um grande nome trabalhando com roteiros mais maduros.

Catherine e Matthew (Nicole Kidman e Joseph Fiennes), que se mudaram com os filhos para uma cidade no árido outback australiano, são um casal em crise. Superprotetores, são afetados por um incidente passado envolvendo sua filha, Coreen (Maddison Brown), uma jovem de 15 anos de aparência angelical. Já o filho caçula, Tom (Nicholas Hamilton), sente-se deslocado na nova cidade, criando o hábito perigoso de fazer caminhadas noturnas enquanto seus pais dormem. Em uma certa noite, tanto Coreen quanto Burtie saem de casa e não retornam, e a tensão consecutiva consome os pais por dentro. O casal então procura a ajuda do policial Rae (Hugo Weaving), que também lida com seus próprios impasses domiciliares. Inicia-se então uma busca interminável, em paralelo com o desgaste crescente entre Catherine e Matthew.

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O principal ponto alto de Terra Estranha é seu variado e talentoso elenco. Kidman mostra tremenda energia e vivacidade, o que é animador considerando sua safra (não tão recente) de trabalhos insossos. Aqui, como em Reencontrando a Felicidade, de John Cameron Mitchell, a atriz prova que quaisquer plásticas que tenha feito não são obstáculos para sua expressividade admirável. Uma pena, porém, que sua personagem seja cada vez mais limitada ao papel de “mãe em desespero”, caindo até mesmo no lugar-comum que é a sexualidade reprimida que culmina na transa emocionalmente distanciada com o marido.

Este, composto pelo excelente Joseph Fiennes, parece ter motivações e segredos mais interessantes que Catherine, mas ainda assim não é desenhado de maneira profunda o bastante, apesar do esforço claro de Fiennes. Weaving, a eterna Mitzi de Priscilla, a Rainha do Deserto (pensou que eu ia falar do agente né?), compõe o policial Rae com bastante humanidade e até mesmo ternura, e pondo em uso seu sempre eficiente carisma, consegue elevar muitas cenas nas quais está presente. Além desta talentosa tríade, os desconhecidos Maddison Brown, Nicholas Hamilton e especialmente Meyne Wiatt estão todos ótimos como os filhos e o capataz da família, respectivamente.

Tecnicamente, o longa também impressiona e segue o padrão estabelecido pela ótima safra atual de longas australianos. Destaca-se a fotografia de P.J. Dillon, que aproveita a aridez das locações e traz imagens saturadas e com grande distância focal, apenas exaltando a vastidão dos desertos australianos. Dillon também colabora horrores para com o tom pós-apocalíptico da obra, especialmente na excelente cena em que Catherine e Matthew se veem em meio a uma imponente tempestade de areia (lembra-se, talvez pelo fato de ambos serem australianos, do trabalho de Adam Arkapaw no ótimo Macbeth, principalmente no confronto final entre Macbeth e MacDuff). A trilha discreta e contida de Keefus Ciancia também agrega pontualmente ao elemento da atmosfera, na categoria dos trabalhos dos excelentes Jed Kurzel (de Macbeth, The Babadook e Snowtown) e Antony Partos (do maravilhoso Reino Animal).

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No fim, apesar de todo o esforço dedicado à obra, o roteiro de Michael Kiniron e Fiona Seres acaba prejudicando grandemente a soma das partes, tornando Terra Estranha em uma experiência que, no seu decorrer, é interessante, mas ao ser tão frustrantemente vaga em suas conclusões (se é que há alguma), deixa uma forte sensação de oportunidade perdida quando os créditos começam a rolar.

A impressão que fica é a de que ambos roteiristas se perderam em meio ao mistério que retratam, e pior ainda, diferentemente de enredos como a série televisiva The Leftovers ou o ligeiramente similar Um Grito na Escuridão, a ausência de respostas lógicas não é compensada por respostas emocionais. Uma pena, mesmo, pois o trabalho de Kim Farrant como condutora apenas evidencia o quanto o material não lhe faz jus.

Em suma, não é fácil dizer se Terra Estranha vale ou não a pena ser conferido. Há muita qualidade aqui, mas tal é ofuscada por um texto prematuro. O mesmo, curiosamente, ocorreu com Meadowland, longa de estreia da cinematógrafa Reed Morano, lançado no Brasil pela Netflix. Desejo, porém, que Kim Farrant, estreante promissora como Morano, não se desencoraje e siga produzindo junto à gama atual de seus talentosos realizadores conterrâneos.


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Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.