Crítica: Thelma

Crítica: Thelma

Indicado ao Oscar pela Noruega, Thelma mescla horrores sobrenaturais com outros bem mais reais

É de se admirar a quantidade de exemplares de gênero que, mesmo quando no lugar-comum, encontram novas facetas para esse. Este ano tivemos Personal Shopper, Ao Cair da Noite, As Boas Maneiras (nacional que ainda está para estrear), entre outros. Também encaixado na categoria está Thelma, o novo filme do norueguês Joachim Trier. O suspense / filme de formação fez parte da programação do 25º Festival Mix Brasil e agora estreia no dia 30 de novembro.

Thelma conta a história da jovem de mesmo nome (Eili Harboe), que em seus primeiros dias de faculdade, descobre diversas coisas sobre ela mesma. Algumas boas, outras ruins… talvez? A garota sofre de convulsões misteriosas em momentos bastante específicos, e outras estranhezas começam a ocorrer. Em meio à confusão, Thelma ainda tem tempo para as inquietações da juventude, em especial um interesse amoroso em Anja (Kaya Wilkins), com a qual ganha proximidade de maneira estranhamente acelerada. Além disso, a protagonista ainda deve confrontar um sentimento de culpa por seus desejos, afinal foi criada em uma família tradicionalmente cristã (do tipo mais ortodoxo).

Tinha tudo para ser uma bagunça, mas a condução de Trier e a forte interpretação de Harboe, juntos a outros aspectos técnicos dignos de nota, tornam Thelma em uma cativante experiência.

A começar pelo minimalismo acertado de Trier ao invocar os elementos fantasiosos da trama de um jeito que se mesclam bem com a abordagem pé-no-chão do resto da narrativa. Abrindo o longa com um prólogo inquietante, Trier cria antes de tudo uma mood piece, ou seja, a atmosfera prevalece como principal razão do envolvimento que o público terá com todo o resto do filme.

Trier, junto de seu co-roteirista Eskil Vogt, cria um retrato convincente das angústias que corroem a jovem protagonista, mas não é por isso que deixa de entregar imagens belamente compostas, com fotografia adequadamente fria e elegante de Jacob Ihre (uma cena envolvendo uma cobra me provocou memórias fotográficas do fantástico Sob a Pele). Já a montagem de Olivier Coutté cria sequências memoráveis de justaposição das perspectivas de Thelma e Anja. A trilha original de Ola Fløttum, então, vai do orquestral solene ao synth pulsante e de volta com bastante naturalidade, enfatizando as emoções de um filme que, apesar da aparência austera, também tem um lado jovial e até mesmo otimista.

E aí entra Eili Harboe: a interpretação da jovem atriz como Thelma admiravelmente traduz as descobertas simultâneas que a protagonista vive. Não esperem a insanidade de Isabelle Adjani em Possessão nem a delicadeza ingênua de Sissi Spacek em Carrie, A Estranha. Harboe tem em mãos uma personagem bem mais consciente de sua natureza, embora com dificuldades de dominá-la. Alguns vão, esperadamente, tecer comparações à Eleven de Stranger Things.

O elenco de apoio não faz feio, contando ainda com os ótimos Henrik Rafaelsen e Ellen Dorrit Petersen como os pais da garota, mas os verdadeiros coadjuvantes de Harboe são as imagens e os sons, uma espécie de extensão das emoções de Thelma. O excepcional Personal Shopper, de Olivier Assayas, já mostrou que dá pra existir uma certa beleza no horror, naquele caso o da perda e do luto. Aqui é o horror da autodescoberta que ganha um tratamento fascinante.


Trailer

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.