Crítica: To the Bone

Crítica: To the Bone

AVISO: Esta crítica pode causar desconforto para pessoas que sofrem (ou já sofreram) de algum distúrbio alimentar

Quando pedi para nossa editora-chefe para escrever a crítica de To the Bone, eu disse que queria escrever de forma pessoal, mas não pensava em me abrir totalmente na escrita. Depois de assistir ao filme e pensar um pouco, não acho que seria justo nem comigo e nem com os leitores do Cinematecando falar sobre um filme tão sério assim sem ser 100% honesta e comparar com a minha própria experiência pessoal.

Sou muito fã da Lily Collins, e em seu livro Unfiltered, fiquei surpresa em saber que ela lutou contra distúrbios alimentares por anos e por isso sentiu a responsabilidade de atuar em To the Bone. De acordo com ela, não tem como interpretar um papel como o de Ellen sem ter passado por uma situação parecida, e eu concordo totalmente. Lembrando que não tem como o filme representar todas as situações; ela segue o distúrbio de somente um personagem mais a fundo. É totalmente normal não se sentir representado ou sentir que algo ficou faltando. Estou falando de um ponto pessoal e que se encaixou, de certas formas, com a minha própria experiência.

Não vou mentir que, quando fiquei sabendo do filme, o primeiro sentimento foi o de preocupação. É difícil um filme sobre um distúrbio alimentar que não seja extremamente dramático, cínico e que não mostre além do necessário. To the Bone me surpreendeu em todos esses sentidos. É um filme que tem, sim, sua dose de drama necessária, mas que mostra que a vida das pessoas com um distúrbio não gira em torno de sua doença. Temos momentos felizes e tristes, dias bons e ruins, assim como qualquer outra pessoa.

Comecei a ter problemas com a aparência do meu corpo aos 15 anos. Eu não estava acima do peso, muito pelo contrário, o meu peso era um pouco abaixo do ideal para a minha idade. Até aí tudo bem, eu era uma menina em crescimento saudável e nunca tinha parado para pensar muito sobre a minha aparência. Eu não consigo me lembrar o que causou isso, mas quando comecei a desenvolver mais, deixei de ser uma menina e comecei a me tornar uma mulher, eu me olhava no espelho e, diferente do que todos pensam, eu não me achava “gorda”… Eu me achava simplesmente “grande”.

Logicamente eu sabia que era coisa da minha cabeça, mas é como se o que eu pensasse e o que eu sentia eram coisas totalmente a parte uma da outra. Comecei a ler blogs sobre anorexia, meninas que enxergavam aquilo como um “estilo de vida” e ao mesmo tempo em que eu achava tudo aquilo um absurdo (e comentava com a minha mãe constantemente o quão absurdo era), grande parte de mim queria ser igual aquelas fotos. A partir daí eu não conseguia me enxergar de outra forma. Eu odiava me olhar no espelho sem roupas, não queria mais comer e toda vez que comia me sentia extremamente culpada. Ficava dias só comendo bolachinhas diet e sopas, sem que minha mãe percebesse. Eu experimentava roupas e me achava simplesmente enorme dentro delas.

Assim como a personagem Ellen (Lily Collins) no filme, que mede seu braço com sua mão constantemente para saber se ele diminuiu, eu media as minhas coxas. Todos os dias, se meus dedos não se encontrassem era porque precisava diminuir mais e nunca era suficiente, eles nunca iam se encontrar. Era desesperador, eu estava constantemente preocupada com o meu peso e me pesava escondido dentro do meu corpo. Se as minhas costelas não estivessem aparecendo era porque eu estava “grande” demais e eu me punia mentalmente constantemente. Minha mãe percebeu que estava fugindo totalmente do controle, e até hoje nenhum dos meus amigos sabe o que aconteceu, nem ao mesmo minha irmã estava ciente da seriedade do que se passava comigo. Aprendemos a manipular situações para que ninguém perceba o que está acontecendo. Não importava o quanto os meus pais conversavam comigo, eu não conseguia ver o que eles viam. Depois de uns dois anos assim, resolvi procurar ajuda psicológica e só então comecei a melhorar aos poucos.

Você nunca se recupera totalmente. Eu sempre vou sentir culpa ao comer um pouco mais que o normal, e talvez nunca estarei 100% confortável ou me sentirei “magra” o suficiente. Mas graças a toda a ajuda que tive, não passo nem um terço do meu tempo pensando nisso. Meu objetivo sempre será manter o corpo saudável que já tenho e tenho certeza que nunca mais vou me submeter a uma punição psicológica e física que causei ao meu corpo.

Eu não acho que To the Bone é um filme feito para pessoas que estão sofrendo com o distúrbio, mas sim para pessoas que conseguiram achar algum tipo de cura. É um filme gráfico, sério e muito bonito. Lily Collins brilha como Ellen, e as piadas de Luke (Alex Sharp) dão um alívio cômico para a história que é muito bem vindo. O Dr. Beck (Keanu Reeves) usa métodos totalmente diferentes para ajudar as crianças, e sua atitude serena, mas livre, é muito diferente do que costumamos ver. Em nenhum momento ele mente para seus pacientes, deixando claro que se continuarem vão morrer, e precisam resolver suas “merdas”.

A casa de recuperação onde eles ficam é cheia de pessoas com os mesmos problemas, mas de tamanhos e situações diferentes, mostrando que isso não afeta somente um tipo de pessoa, mas qualquer um.

Minha única crítica para o filme é que ele podia ter se aprofundado mais, queria que sua duração fosse um pouco mais longa. Gostaria de ter visto mais a irmã de Ellen, Kelly (Liana Liberato) que sofre com a doença da irmã tanto quanto ela mesma, e sua mãe Judy (Lili Taylor), que mal aparece no filme e quando se resolve com Ellen, ainda não perdoamos sua negligência com a própria filha. A adição de meia hora de filme poderia ter resolvido esses problemas.

Como disse no início da crítica, não tem como representar a todos, mas é extremamente importante que mais filmes do gênero sejam feitos, que essa conversa não termine. Seja para o bem ou para o mal, é um assunto que precisa ser enfrentado e não ser visto como um tabu.

A minha mensagem favorita fica com o próprio final do filme: nada é mais certo que a cura não vem de ninguém além de você mesmo. Não deixe de conversar com pessoas que te amam e de procurar ajuda. Por mais difícil que seja tomar essa decisão, você é importante, e você merece viver.

“Follow the sun

And which way the wind blows

When this day is done.”

Letícia Piroutek