Quantic Dream: Jogos ou filmes?

Quantic Dream: Jogos ou filmes?

Se você que acabou de ler esse título é um fã conhecedor dos jogos produzidos pela incrível Quantic Dream, então deve estar se perguntando: “Mas que idiota diria isso?”. Mas posso garantir que se você permanecer lendo esse texto, com certeza irá compreender minha linha de pensamento e talvez até concordar com ela. Para os amantes dos famosos jogos eletrônicos Life is Strange e Until Dawn (ambos de 2015), tenho uma notícia agradável: os jogos baseados em escolhas e consequências não começaram por aí. Na verdade, você conhecerá um pouco mais sobre a desenvolvedora responsável por jogos do mesmo arquétipo, que, com seus gráficos inovadores e suas histórias criativas, ultrapassam qualquer barreira audiovisual.

A empresa (que possui sua sede em Paris) foi fundada em 1997 por David Cage e vem conquistando cada vez mais os gamers que curtem jogos com tramas envolventes e uma grande disponibilidade de interação com o cenário, além dos cinéfilos que adoram uma perspectiva de cinema nos jogos atuais. Tudo bem, concordemos que a Quantic Dream é uma desenvolvedora de jogos, e não de filmes (embora também forneça serviços de captura de movimento para a indústria cinematográfica), mas a verdadeira reflexão que proponho neste texto é sobre a linha tênue existente entre jogos e filmes, uma vez que a evolução tecnológica e o aprimoramento dos aspectos técnicos de um jogo têm refletido cada vez mais em um alto nível de realismo proporcionado aos jogadores.

Até aí, muitos ainda podem pensar: “Ora essa, mas então a Ubisoft, a Rockstar e a EA Games são os melhores exemplos de produtoras ousadas nas indústrias de jogos!”, e eu digo que sim, você não está errado(a). Entretanto, o diferencial contido nas obras da Quantic Dream é a capacidade de imersão do jogador em um universo que é completamente entregue em suas mãos, lhe permitindo tomar decisões e arcar com os resultados (bons ou ruins), além de nos carregar durante seu enredo de maneira peculiar, nos transformando em exatos espectadores. Tudo isso em vista que boa parte de seus jogos são elaborados em cima de cutscenes (sequências entre momentos do jogo) que de fato aumentam o interesse do jogador em avançar e continuar descobrindo mais sobre a história, algo que nem sempre acontece em jogos eletrônicos.

Como se não bastasse as qualidades admiráveis, os jogos mais recentes da Quantic Dream possuem um sistema gráfico surpreendente, extremamente detalhado, aliados a um desenvolvimento de captura de movimento avançada, que facilita o reconhecimento dos músculos (corporais e faciais) oferecendo uma associação efetiva com a realidade. Mas, enfim, você deve estar se perguntando quais são esses jogos tão fantásticos, portanto, vamos à pequena lista de jogos desenvolvidos por essa empresa que consegue impressionar qualquer jogador apaixonado:

O primeiro jogo produzido pela Quantic Dream foi Omikron: The Nomad Soul (1999), um jogo futurista de aventura em 3D desenvolvido para PC e Dreamcast apenas. Embora tenha recebido boas críticas, acabou não tendo quase nenhuma repercussão entre a massa de jogadores. Logo após esse período, a empresa iniciou o século XXI buscando melhorar sua infraestrutura de produção. Foi então que seu primeiro grande jogo começou a ser produzido em 2002, e que só chegou a ser lançado três anos depois com o nome de Fahrenheit (2005), ou Indigo Prophecy (como é conhecido por alguns), que foi lançado para PC, Playstation 2 e Xbox.

Neste thriller paranormal, a cidade de Nova Iorque encontra-se em estado de choque por conta de uma horrenda série de assassinatos. As mortes ocorrem de forma ritualística e parecem seguir o mesmo padrão: pessoas normais entram em um transe hipnótico e matam completos estranhos em locais públicos. Um dos “assassinos” é o jovem Lucas Kane, que acorda de um transe e percebe que apunhalou um homem até a morte. Logo a polícia descobre a vitima e envia os detetives Carla Valenti e Tyler Miles para investigar. O bacana é que assumimos o controle de Lucas (que deve fugir da polícia e buscar por respostas) e também dos policiais (que devem encontrar Lucas e desvendar o mistério por trás de tudo).

Fahrenheit construiu os pilares do que a empresa iria refinar em seus futuros projetos: narrativas dramáticas repletas de tragédias se apoiando em bons elementos investigativos que mantém nossa curiosidade por todo o jogo. Dá para acreditar que vários jogadores abominam esse tipo de jogo? Sim, muitos não gostam da Quantic Dream, talvez por estarem acostumados com jogos mais “caros”, repleto de jogabilidade e gráficos estonteantes, e um roteiro super dinâmico. Os jogos da QD (Quantic Dream) são mais idealizados em uma trama amarrada, procurando acima de tudo o entrosamento do jogador com os personagens, suas características, e seus desenvolvimentos ao longo do jogo.

Já no ano seguinte (2006), a desenvolvedora passou a elaborar seu próximo trabalho e assinou um contrato de exclusividade com os consoles da Sony (Playstation). O jogo da vez foi o sombrio Heavy Rain (2010), um forte suspense psicológico que iria finalmente catapultar a fama da Quantic Dream. Com uma trilha sonora excepcional composta pelo próprio fundador e designer da empresa, David Cage, o jogo tomou proporções gigantescas ao redor do mundo, se tornando um dos maiores clássicos do Playstation 3.

A história de Heavy Rain gira em torno do mistério do Assassino do Origami, um serial killer que usa longos períodos de chuva para afogar suas vítimas. Nesse contexto, controlamos quatro personagens, sendo eles: Ethan Mars (um arquiteto com uma esposa e dois filhos), Madison Paige (uma jornalista solitária), Norman Jayden (um agente do FBI) e Scott Shelby (um policial aposentado). Todos eles são fortemente desenvolvidos não apenas com algumas qualidades, mas também com problemas como depressão, insônia crônica, o vício em drogas e ataques de asma.

Um grande ponto positivo (ou ao menos peculiar) do jogo, é que não há game over – ou seja, não há como perder, há apenas uma série de finais diferentes para cada personagem que irão se alternar de acordo com as decisões do jogador ao longo da história. A relação pesada entre os diversos personagens cria uma atmosfera deprimente e enigmática, completamente necessária para a compreensão da carga dramática e do suspense bem construído. Poucos jogos nos prendem tanto como os jogos desenvolvidos pela Quantic Dream, pois suas histórias se assemelham muito com nossa realidade. No caso de Heavy Rain, David Cage trabalha com eventos raros, porém possíveis, sem extrapolar para qualquer mitologia ou sobrenaturalidade, porém não posso dizer o mesmo sobre seu trabalho seguinte.

Dessa vez, a desenvolvedora não demorou tanto como da última vez (cinco anos) para lançar outro jogo que dominaria o mundo dos games. Em 2013 a empresa viria a lançar seu maior sucesso, o fantástico Beyond: Two Souls (2013). A Quantic Dream ofereceu os papéis de seus personagens a dois atores queridos de Hollywood: estou falando de Ellen Page e Willem Dafoe, que entregaram excelentes interpretações no jogo. Diferentemente de Heavy Rain, o jogo mistura o real com o sobrenatural, mas de uma maneira agradável, crível e bastante emocionante.

O jogador controla a personagem Jodie Holmes (Ellen Page) durante 15 anos (8-23) da sua vida em uma viagem para descobrir o significado de Aiden, uma entidade sobrenatural que está ligada a Jodie desde seu nascimento. O que deixa a história mais interessante é que não a jogamos de forma linear; somos jogados em diversos períodos da vida de Jodie a fim de descobrir mais sobre seus receios e sua conexão com Aiden. Junto a isso, questões como a vida após a morte tornam o roteiro algo reflexivo e profundo, e apenas deixam o jogador/espectador mais intrigado do que poderia imaginar.

Durante Beyond: Two Souls, nós devemos tomar decisões que variam desde diálogos até o tipo de roupa que Jodie irá usar. Cada escolha interfere no roteiro de algum jeito. Dá para perceber claramente como os gráficos dos jogos melhoraram bastante de 2005 à 2013 (ver fotos novamente), provando uma contínua evolução dos games que tomam conta de nossas televisões sempre que podem. Beyond: Two Souls fez parte da seleção oficial da edição de 2013 do Festival de Cinema de Tribeca e marca a segunda vez que um videogame foi reconhecido por um Festival de Cinema, provando mais uma vez a notável ligação entre jogos e filmes – afinal, ambos possuem aspectos técnicos semelhantes em suas perspectivas audiovisuais.

Beyond: Two Souls foi lançado originalmente para Playstation 3, assim como Heavy Rain, mas ambos tiveram suas versões remasterizadas para Playstation 4 recentemente, mostrando-se jogos bem avançados. A Quantic Dream vem provando sua habilidade em desenvolver jogos estupendos a cada ano, com teasers, trailers, e anúncios exclusivos. É, sem dúvidas, uma das empresas mais progressistas da atualidade, pois assim como outras desenvolvedoras, sua admirável tecnologia tem feito com que os jogos se tornem mais inclusivos e populares em todo o Planeta.

Agora você quer saber se acabou por aqui, não é? Sim, Beyond: Two Souls foi o último lançamento da Quantic Dream, mas para a alegria de todos nós, a desenvolvedora já anunciou trailers de seu mais novo projeto, chamado Detroit: Become Human (ainda em desenvolvimento). Não temos data fixa de lançamento, mas é provável que ainda seja lançado em 2017… vamos torcer! Fique aqui com o primeiro trailer deste game tão esperado:

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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