Crítica: The Last Guardian
Da década passada aos dias de hoje, muito mudou no universo dos games. Jogos AAA (de alto orçamento) tomaram cada vez mais conta do mercado, com gráficos reluzentes, gameplays tornando-se infalivelmente funcionais e volumes bombásticos de conteúdo, com dezenas de ícones e opções nos mundos virtuais que traziam às telas. Ora, até mesmo o interessante Final Fantasy XV, que levou 10 anos para ser concluído, embarcou em um modelo compatível com as exigências do atual mercado, oferecendo um mundo aberto repleto de conteúdo e um combate em tempo real, dando ênfase a cenas que poderiam muito bem ser tiradas de um game da franquia Uncharted.
Assim como o último capítulo da saga FF, The Last Guardian, o novo game da Team ICO (finalizado pela Gen Design), também levou uma década até chegar às mãos dos fãs, após anos de trailers em conferências e expectativas inflamadas. A década de desenvolvimento é especialmente sentida durante a experiência oferecida por The Last Guardian, em bons e maus sentidos. Felizmente, assim como nos games anteriores dirigidos por Fumito Ueda, principalmente Shadow of The Colossus, The Last Guardian supera suas desavenças técnicas com uma atmosfera de mistério e descobertas que atinge níveis quase mágicos.
No game, controla-se um garoto sem nome que se vê obrigado a cooperar com uma gigantesca fera híbrida, conhecida como Trico. Numa mistura de cão, gato e ave que fará até os menos afeitos por animais derreterem de fofura, a fera se comporta de uma maneira incrivelmente realista, constantemente com fome, buscando sua atenção e com uma certa incapacidade de compreender seus comandos logo de antemão. Assim como no excelente jogo de download Brothers: A Tale of Two Sons (que, diga-se de passagem, me deixou aos prantos a partir de sua conclusão), tem-se aqui uma construção fortíssima do elo entre os dois protagonistas através da jogabilidade. Diferentemente de Brothers, porém, aqui temos controle apenas do garoto, mas a necessidade por cooperação com a fera exige do jogador bastante paciência e dedicação que, apesar dos inevitáveis momentos frustrantes, apenas fazem da experiência ainda mais marcante e assombrosa após seu término.
O gameplay aqui assemelha-se bastante com o de Shadow of The Colossus, com comandos atribuídos com base na direção dos botões e movimentos cambaleantes e imperfeitos, que são representados com maestria pelo excelente trabalho de animação nas performances. Deve-se também em certas ocasiões agarrar nas penas de Trico, assim como visto em Shadow, apenas que aqui a ação é automática e não exige que o jogador segure nenhum botão, além de seu uso também não ser ditado pelo fôlego do personagem. O único problema com a jogabilidade, de fato, é sua câmera, que além de excruciantemente lenta, tem o costume de não se adaptar de maneira orgânica aos cenários, colidindo com paredes em lugares mais apertados e portanto bloqueando de maneira inoportuna a visão do jogador. Outra ressalva, deve-se ressaltar, é a performance inconsistente, com quedas constantes na taxa de quadros em momentos mais agitados, o que tira um pouco da ilusão de algumas das melhores cenas da história.
Enquanto game em sua definição técnica, The Last Guardian é um produto competente, mas falho. Mas se por um lado a obra não atinge os padrões técnicos atuais com louvor, por outro consegue se firmar como um tremendo feito artístico, explorando a natureza potencialmente transcendental que uma narrativa virtual pode oferecer. A economia de diálogos e exposição narrativa, a ambientação misteriosa, a arquitetura interligada, sem falar na trilha majestosa de Takeshi Furukawa, que aparentemente colhe inspiração em estilos mais tradicionais e remete a nomes como Thomas Newman, James Horner e Carter Burwell (cujo tema de Miller’s Crossing foi usado no primeiro trailer do game, lá na E3 2009), todos agregam a uma experiência inesquecível, que é o que Ueda sempre se dispôs a proporcionar, com perseverança admirável após tantos adiamentos e ameaças de cancelamento.
Precisa-se, acima de tudo, colocar em questão o que de fato faz um game bom. Em uma época em que games ainda são mais produtos do que pura arte, algo como The Last Guardian é uma raridade. Trata-se de uma experiência valente, que desafia gamers a aceitarem um outro tipo de lógica, com menos amarras e imediatismos, seguindo um ritmo próprio que gera estranhamento e através dele deixa sua marca. Exatamente como a relação entre Trico e seu amigo humano, que apesar dos seus diversos momentos irritantes, deixa incontáveis boas memórias e uma irreprimível saudade.
O título chegou às lojas em 06 de Dezembro e é exclusivo para o console Playstation 4, tendo também suporte para imagens HDR e 4K.