Crítica: Apenas Cães (1ª Temporada)

Crítica: Apenas Cães (1ª Temporada)

Agora a Netflix foi longe demais em nos fazer chorar

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Se você assistiu à Apenas Cães e não derramou uma lagriminha ou não deu um suspiro sequer, sinto ter que te dar essa notícia: você está morto por dentro. Para mim foi quase uma missão impossível manter a dignidade em todos os seis episódios da nova série documental da Netflix, que conta histórias da relação entre humanos e cachorros nos mais diferentes contextos.

Alguns foram mais difíceis, é verdade. A história de Zeus, o cachorro de um refugiado sírio que mora em Berlim, me fez chorar na esteira da academia, onde geralmente sou apenas raiva. Ayham teve que fugir de seu país depois de ser convocado pelo exército para a guerra. Quase uma sentença de morte. Deixou para trás a família e o cachorro, e enfrentou a travessia em um bote inflável com outras dezenas de refugiados. Foi até a Grécia, depois cruzou diversos países até chegar à Alemanha, onde encontrou abrigo, emprego, faculdade e uma ajuda do governo para se estabelecer.

E, depois de estabelecido, achou um grupo que resgata animais da Síria para transportá-los para a Europa. Toda essa jornada, em que Zeus tem que ir da Síria para Berlim, mexe com a gente, porque também nos coloca no lugar de outros sírios, que queriam apenas uma oportunidade de se reencontrarem com paz, mas não tem como nem para onde ir.

Mais próximo da nossa realidade, e é uma realidade dura de engolir, está o abandono de milhões de cachorros todos os dias nas ruas de Costa Rica, retratado pelo episódio “Território de Zaguates”. Zaguates é como o povo costarriquenho chama o cachorro vira-lata, mas não só aquele que não tem raça definida. O cachorro doente, maltratado, maltrapilho, feio, que ninguém quer. O nosso “cão sarnento”.

Esse quinto episódio mostra a dura batalha de um casal que tem um pedaço de terra muito grande na Costa Rica e decidiu transformá-lo em um refúgio para cachorros resgatados até que eles encontrem um lar. Mas, assim como em outros países da América Latina, os abrigos acumulam cachorros esperando famílias que nunca os adotam. E o território dos zaguates, que teria capacidade para 200 cães, está superlotado, com mais de 1200 cães. Vivendo no limite daquilo que é bom e do que é ruim para os animais. Sem saber se vão ter como alimentá-los na semana seguinte.

Mas há outros que nos fazem sorrir, como a relação de Ice e seu dono, um pescador italiano. Os dois se lançam todos os dias ao lago, em um barquinho que condiz com a vida simples, faça chuva, sol ou muito, muito frio. É um episódio que mostra como o tempo vai fortalecendo os laços entre humanos e cachorros, ao passo que ficamos apreensivos porque estamos ficando velhos. E cachorros vivem menos do que humanos.

Tem episódio em que cachorros são adotados por novas famílias e ganham uma segunda chance de serem felizes. E os que os humanos encontram uma segunda chance para serem felizes depois de estarem ao lado de seus cachorrinhos.

As histórias são distintas, mas há um ponto em comum, além da qualidade cinematográfica com que são contadas: nelas encontramos a generosidade das pessoas que trabalham para que humanos e cachorros tenham uma vida melhor, ao lado um do outro.

Na primeira delas, a 4 Paws For Ability treina os doguinhos para que eles ajudem crianças com alguma deficiência. O pano de fundo é Rory, treinado para latir quando a pré-adolescente Corinne tiver alguma convulsão, fruto de sua epilepsia grave. A segunda não é só sobre Zeus e Ayham, mas também sobre o grupo de resgate que se arrisca para transportar animais de territórios em guerra para territórios em paz. Uma vida que todos nós merecíamos, os seres vivos de duas e de quatro patas.

O último é sobre Anna e seu trabalho de resgate em abrigos pelos Estados Unidos. Mais do que isso, ela é a conexão entre pessoas que querem abrigar cachorros em lares temporários, os que querem um cachorrinho, os que querem ajudar de alguma forma. É nela onde a generosidade de muitos se encontra.

São seis episódios que nos fazem sair um pouco diferentes de cada um deles. Desidratados, sim, mas com vontade de sermos mais generosos também. Eu, que não tenho mais cachorro desde que o Tobby morreu deixando uma ferida quase incurável, voltarei a adotar um. A gente merece.

Leonor Macedo

Mãe de um adolescente e, enquanto não está discutindo com ele, escreve livro, roteiros, textos jornalísticos e diálogos toscos no whatsapp