A série Derek e suas lições sobre empatia e solidariedade

A série Derek e suas lições sobre empatia e solidariedade

Com a chegada da pandemia ocasionada pela disseminação do coronavírus (COVID-19), pudemos presenciar nas últimas semanas uma onda de posicionamentos negligentes quanto às medidas de precaução e isolamento da população sugeridas pela maior parte dos especialistas e profissionais da saúde. Muito dessa negligência vem de uma preocupação com as possíveis consequências econômicas de uma paralisação total do país, porém, junto à isso, percebemos uma perigosa frequência de argumentos infelizes vindo de empresários e personalidades famosas passando a relativizar a importância dos esforços em manter a salvo as pessoas dentro do grupo de risco, praticamente os idosos.

Dentro desse cenário, vem à mente uma série original Netflix que, embora não seja tão popular entre o grande público, de certa forma conversa perfeitamente com o momento que estamos vivendo, e nos alerta para nosso comportamento frente à situações que demandam empatia e solidariedade acima de tudo. A britânica série Derek (2012-2014), originalmente distribuída pelo Channel 4 e posteriormente adquirida pela Netflix, nos traz o comediante Ricky Gervais mais uma vez protagonizando, escrevendo, produzindo e dirigindo o que pode ser facilmente considerada uma de suas mais criativas e sensíveis produções.

A série, estruturada por meio de um envolvente mocumentário (uma ficção idealizada como um falso documentário satírico), nos apresenta a vida e o cotidiano de Derek Noakes (Ricky Gervais, em um papel bem diferente do que estamos acostumados), um leal funcionário de um asilo, que enxerga apenas o lado bom das pessoas. O asilo, administrado pela esforçada gerente Hannah (Kerry Goodliman), além de vários idosos com personalidades próprias, conta com alguns personagens marcantes como o preguiçoso Kev (David Earl), o pessimista zelador Dougie (Karl Pilkington), além da caridosa voluntária Vicky (Holli Dempsey).

O que impressiona na série é a capacidade de alterar tão bem entre (e até mesmo combinar) a comédia e o drama. Embora seja uma série assumidamente cômica tendo como o humor sua principal engrenagem, são inúmeros os momentos comoventes que o enredo nos resguarda. E são nesses momentos que as lições de vida são (ou deveriam ser) facilmente absorvidas pelo público. Inicialmente podemos pensar que essas lições se aplicam apenas na nossa relação com as pessoas da terceira idade, o que já seria o suficiente para tornar a série importante, mas o roteiro não demora para desfazer brilhantemente esse nosso pensamento.

De forma geral, Derek (o personagem e a série), além de dar voz aos idosos, nos ensina a importância de não julgar facilmente as pessoas, de acreditar que todos nós somos importantes. Toda vida tem o mesmo valor, mas como estamos cansados de saber, esse valor não é mensurável. É preciso que repensemos nossas atitudes diariamente e de fato lutemos para um mundo melhor.

Os anos e as décadas se passam, e ainda que tornemos o mundo cada vez mais justo, conquistando avanços sociais, direitos e oportunidades para os desfavorecidos, poucas vezes paramos para olhar para nós mesmos. Para a maneira como tratamos e valorizamos o outro, e principalmente aqueles que nos ensinaram tudo que sabemos, que nos trouxeram ao mundo (mesmo que indiretamente), e que através de seus esforços nos possibilitaram um mundo muito mais livre, facilitado e seguro.

A ousadia da série obviamente não está em seu reduzido elenco e em sua praticamente única locação. Está na delicadeza de seus temas. Assistir Derek é além de se divertir e dar algumas boas risadas, também se ver diante da possibilidade de absorver todo um conteúdo valioso sobre altruísmo, e despertar imediatamente um sentimento de companheirismo em cada espectador, algo que infelizmente ainda se vê necessário para a grande maioria de nós.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.