Crítica: Atypical (2ª Temporada)

Crítica: Atypical (2ª Temporada)

Nova temporada perde um pouco de qualidade, mas recupera sensibilidade nos últimos episódios

Imagem da série 'Atypical'

Pense consigo mesmo: quantas séries conseguem de fato causar uma empatia imediata entre seu protagonista e o público? Nitidamente poucas. E dentro dessas, são menos ainda aquelas que elaboram essa empatia em cima de qualidades e defeitos consistentes, críveis. Atypical, ao trazer Sam (Keir Gilchrist), um personagem principal que é autista, se destacou desde a primeira temporada entre as séries teens sem apelar para os clichês do transtorno neurológico que já conhecemos de tantas produções. Pelo contrário. Com uma abordagem única e ousada, utilizando de narração e metáforas com penguins (animal pelo qual o personagem é apaixonado), a série ganhou a atenção de todos. Nessa segunda temporada, temos de volta a narração, os pinguins e novos desafios para todos os personagens da família, mas também notamos uma infeliz perda de tempo do roteiro em abordar eventos repetitivas e desinteressantes, desviando o foco do que poderia render mais drama, mais comicidade, ou situações diversas.

Sam continua aprendendo a viver como pode, desfrutando dos bons momentos e lidando com os maus. Ele passa a administrar melhor suas crises/descontroles de pânico, mesmo sem a ajuda de sua psicóloga Julia (Amy Okuda), que agora não o atende mais. Sam começa a ter novos questionamentos, como especificações de seu relacionamento com Paige (Jenna Boyd) e qual faculdade pretende cursar. Casey (Brigette Lundy-Paine), que continua sendo a melhor personagem feminina da série, tenta se adaptar ao novo colégio particular e suas rígidas exigências, enquanto busca fazer amizades e lidar com os problemas da família. Além de tudo, ela também se esforça para poder aproveitar algum tempo com seu namorado Evan (Graham Rogers).

O acolhedor e esforçado Doug (Michael Rapaport), juntamente com Elsa (Jennifer Jason-Leigh), protagoniza o arco mais dramático da série, que apesar de um imenso potencial, acaba caindo na mesmice e não traz nada de novo para o espectador. Como qualquer fã da série sabe, após o caso de Elsa com o barman vir à tona, toda a família precisa enfrentar as angústias de sua infidelidade, principalmente Doug. É aí que Atypical escorrega e deixa sua narrativa tediosa e aborrecente. No que parece uma desesperada insistência em mostrar o quão “pecadora” Elsa foi, o roteiro, durante a primeira metade da temporada, insere diálogos e comportamentos recorrentes de recusa da família, mas o verdadeiro problema é que Elsa simplesmente não se abate, e continua com altas expectativas, forçando a barra, mesmo sabendo que errou. Isso gera uma quantidade abundante de cenas praticamente iguais, que além de serem simplesmente enjoativas e fazerem o espectador de bobo, desperdiça o já curto tempo de cada episódio, que dura por volta de 30 minutos.

Imagem da série 'Atypical'

Os roteiristas da série, em especial a própria criadora Robia Rashid, possuem uma habilidade eminente em apresentar novos personagens, criando naturalmente situações que possivelmente aconteceriam de fato no dia a dia de todos nós. Mas por outro lado, pecam por não saber se despedir desses personagens, ocasionando arcos sem desfechos. Um bom exemplo é Nate (Graham Phillips), namorado de Izzie (Fivel Stewart). Se Izzie é uma das novas personagens mais interessantes, Nate é o oposto: alguém sem nenhuma personalidade que está ali apenas para criar um pequeno conflito no enredo, e que por sinal nem se alonga. Por fim, não se sabe o que acontece com o rapaz e nem como se deu sua conclusão com Izzie.

Outra aparição desnecessária é a de Nick, o barman que, se serviu para algo, foi para desenvolver a relação extraconjugal de Elsa na primeira temporada, mas dessa vez aparece apenas para justificar os sentimentos de insegurança de Doug. Todas essas razões colaboram para que passemos a nos sentir distante do que foi apresentado na primeira temporada. Até personagens como Julia, que nessa segunda temporada se torna bem irrelevante (apesar de aparecer consideráveis vezes), são prejudicadas. A verdade é que o enredo perde a chance de se aprofundar na vida pessoal dos dois personagens mais carismáticos da série, Evan e Zahid (Nik Dodani), que com certeza deixaria qualquer um mais entretido durante os episódios.

Entretanto, com um protagonista forte como Sam, não há seriado que não se salve. Durante os quatro últimos episódios, sentimos um intenso regresso da sensibilidade nas relações entre os personagens que tanto apreciamos na primeira temporada. Inclusive, ouso dizer que dessa vez essa sensibilidade é aumentada. Desde Casey tendo que conviver com as consequências de uma calúnia a seu respeito enquanto Doug tenta de todas as formas aceitar e perdoar Elsa, até Sam vivenciando as mais dolorosas falsidades e preconceitos de seus colegas. São cenas que nos emocionam, nos agarram em cheio e fazem valer a pena, de alguma forma, as 5 horas de temporada.

Atypical volta à Netflix para nos entreter, não em sua melhor forma, mas de uma maneira satisfatória que promete não deixar ninguém decepcionado. Para aqueles que estabeleceram laços emocionais fortes com os personagens, garanto que suas personalidades e senso de humor permanecem intactos, e que temos nessa segunda temporada um bom desenvolvimento de conflitos internos da família. É apenas preciso ter vontade de se envolver com essas histórias, mas com certeza estar apto a conhecer mais sobre o autismo e suas condições é sempre um bônus, e nesse caso, compensador.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.