Crítica: Ozark (2ª temporada)
Série retorna com situações tensas, bons arcos e mais profundidade nas relações entre os personagens
Após uma temporada de estréia cheia de comparações com a renomada Breaking Bad, Ozark volta para deixar claro que apesar de semelhanças temáticas, sua abordagem de personagens e estrutura de narrativa é bem diferente da série criada por Vince Gilligan.
É normal esquecermos algumas coisas de temporadas passadas quando nos deparamos com novos episódios de uma série. Isso acontece, mesmo que você não queira, por ter passado mais de um ano desde o lançamento da primeira temporada, ou por simplesmente termos achado uma cena ou outra irrelevante ou de pouca importância. Só que com a segunda temporada de Ozark, entramos em contato com diversas referências a assuntos e circunstâncias primordiais ocorridas na primeira temporada, ocasiões que podem não estar tão claras na mente do espectador.
Portanto, meu conselho a todo e qualquer fã da série é que, apesar da possível preguiça, reveja todos os episódios da primeira temporada. Será muito importante uma bagagem de conhecimento recente para compreender melhor eventos futuros.
Na nova temporada, acompanhamos Marty Byrde (Jason Bateman) e sua família tentando contornar novos problemas e dívidas com o cartel mexicano e com seus prováveis novos chefes (os Snell), além de inúmeras complicações com os outros moradores da cidade. Dessa vez, a os Byrdes tentam salvar-se por meio de um novo empreendimento lucrativo: a construção de um cassino. Porém não imaginam quantas irregularidades e condições terão que enfrentar pra que o projeto seja aprovado e apoiado.
Temos, finalmente, um crescimento no poder de interferência dos outros membros da família nas relações criminosas. Charlotte (Sofia Hublitz), além de ampliar sua relação com Wyatt (Charlie Tahan), passa a se sentir encurralada e extremamente desconfortável diante de um lar familiar instável, enquanto seu irmão Jonah (Skylar Gaertner) percebe uma necessidade de ajudar sua família a lidar com seus conflitos, e passa a aprender e a reproduzir manobras ilegais. Quem mais ganha corpo como personagem é Wendy, que apesar de já ter grande importância na primeira temporada, aqui possui mais participação nas decisões familiares e nas influências políticas dos negócios de Marty.
Por outro lado, Ruth (Julia Garner) parece ter menos autonomia diante de situações conflituosas, provavelmente por conta de um medo da recente presença de seu descontrolado pai, Cade (Trevor Long), que acabou de sair da cadeia, e está na condicional. Ainda assim, Ruth continua assumindo o posto de provedora e responsável pelos cuidados da família Langmore, tendo a difícil tarefa de ter que conciliar as questões de trabalho com os problemas de sua família, assim como Marty. Outros personagens secundários como Rachel, Roy Petty, Jacob e Darlene também tentam de todas as formas atingirem seus objetivos, encontrando uma forma de sobreviver e ser aceito em uma cidade perigosa como Ozark.
Ainda somos marcados com a onipresença da fotografia azulada e o clima nublado da série, que anunciam o ambiente frio, tanto em temperatura da cidade, quanto em compaixão dos personagens. A série expande a capacidade emocional de suas cenas, buscando um extremo realismo no remorso e na culpa que os personagens principais sentem que chega a impressionar em certos momentos, refletindo perfeitamente as ambições e inseguranças dos moradores de Ozark. Nisso, é incrível como conseguimos simpatizar com quase todos os personagens, pois seus pontos de vista e objetivos são bem definidos e bem apresentados, algo que agrada qualquer público. Os roteiristas sabem manter o interesse do espectador durante os episódios, não dão espaço para desvios de atenção, pois a forma como os fatos e argumentos são colocados na mesa fazem com que fiquemos vidrados desde as conversas mais densas e burocráticas até nas sequências de ameaças e riscos, obviamente.
Está aí outro ótimo recurso da narrativa. Muito do suspense construído na série é em base de desentendimentos e desacordos entre personagens que parecem sempre a segundos de explodir e provocar alguma tragédia. A questão é que essa tragédia quase nunca acontece, e quando acontece, nos pega desprevenidos. É uma maneira de driblar a expectativa do público e que realmente funciona. Além do suspense, Ozark nos ganha pela maneira como envolve seu drama por meio das inúmeras personalidades e arcos existentes na história. Todos tem seus problemas, vontades e dúvidas. Há quem se identifique com personagens específicos e tenha uma percepção mais pessoal dos acontecimentos, e há quem se entregue completamente aos perrengues da cidade em si de maneira geral, e capte as hostilidades e adversidades de forma mais distante, porém efetiva. De uma forma ou de outra, a série alcança o objetivo de envolver o público.
As músicas da série continuam certeiras e nos movem perfeitamente para onde deve. A montagem não perde o ritmo lento, porém sem deixar rastros de algo arrastado. As maquiagens naturalistas, os figurinos de inverno e os cenários rústicos em cores frias auxiliam na construção do universo sombrio da série. Nessa segunda temporada, o reflexo da criminalidade, seja através de homicídios ou pequenas corrupções, é perfeitamente trazido para as entrelinhas dos episódios. O pré-julgamento de pessoas, a falsidade, a desconfiança, a infidelidade, a hipocrisia, o egoísmo, e a linha tênue entre o que é certo do que é necessário, são temas mantidos na série, e que dominam as intimidades dos personagens. Ozark é a prova da humanização dos indivíduos perante suas imperfeições e uma aula sobre como podemos ser condicionados a cometer ações indevidas, conscientemente ou inconscientemente, para salvar a nós mesmos e a quem amamos.