Crítica: Maniac (minissérie)
A mente humana em sua forma mais crua
Há quem discorde, mas em um mundo cada vez mais eletrônico, em que a inovação dos meios de produção, a facilidade tecnológica e a divulgação de anúncios desempenham um papel primordial para o crescimento econômico de um país, os indivíduos tendem a se tornar mais homogêneos, e suas relações restritas. Partindo desse contexto, a parceria entre o criador Patrick Somerville (um dos roteiristas da aclamada The Leftovers) e o diretor Cary Joji Fukunaga (premiado por sua direção consistente durante a primeira temporada de True Detective) rendeu para a Netflix Maniac, uma das minisséries dramáticas mais sedutoras e emocionantes dos últimos anos.
Nos vemos, desde as primeiras cenas, circundados no meio em que vivem os dois personagens principais: Owen Milgrim (Jonah Hill), um jovem rico, considerado a ovelha negra da família, que no passado foi diagnosticado com esquizofrenia; e Annie Landsberg (Emma Stone), uma garota problemática, indelicada e viciada em drogas pesadas, entre elas uma pílula rosa com o formato de uma letra “A”. Ambos, por motivos diferentes (ela para continuar se drogando e ele para tentar se livrar de suas alucinações), decidem passar por um processo seletivo de testes de uma instituição chamada Neberdine Pharmaceutical Biotech, que está desenvolvendo um experimento para curar doenças mentais. É onde se conhecem.
A partir daí, após entrarem no experimento e serem apresentados e ligados à uma máquina, Owen e Annie são projetados, por meio de seus sonhos, para um mundo fictício, criado digitalmente com base em suas experiências passadas e informações do cotidiano armazenadas em seus subconcientes. Ali, ambos interpretam outros personagens lidando com situações aleatórias, o que além de exigir mais dos atores, é mais um divertimento à parte da minissérie. A mistura entre cenários futuristas em tons pastéis e variações de iluminação (forte uso de luzes vermelhas, azuis e verdes) ajudam a criar um universo próprio, atemporal e com influências do cyberpunk, que salta entre a realidade e a fantasia em questão de segundos.
Uma das mais intrigantes reflexões que Maniac explora é a vigente facilidade que os humanos tem em se conectar com a tecnologia, mas não com outros humanos. Isso é algo que se reflete na confiança que depositamos em equipamentos e dispositivos, mas que não conseguimos aplicar aos nossos companheiros, seja por estarmos cada vez mais convencidos de nossas ideias fechadas e ligados a inúmeras intolerâncias do dia a dia, ou por, através de dados estatísticos e influências midiáticas, estarmos convictos que máquinas tendem a errar muito menos que humanos, mesmo notando imprecisões comprometedoras em eletrônicos de qualquer tipo todos os dias.
Um exemplo disso, é a cena em que a personagem de Emma Stone se depara com um aparato que corre pelas calçadas para limpar fezes de animais, travado em uma árvore. Ela retira o objeto e o coloca em direção a calçada novamente, e antes de soltá-lo, cola um cartaz (de seu cachorro que desapareceu há 7 anos) nas costas do utensílio, na esperança que ele leve essa informação para as pessoas, mesmo que de uma maneira indireta. Ou seja, ainda que ela tenha visto que o aparelho comete erros (que podem ocorrer novamente), ela investe sua confiança na máquina.
A série também discorre por uma relação emocional forte entre os personagens, que por si só já são contruídos em cima de conflitos pessoais cativantes, nos fazendo pensar em como problemas mentais, perdas familiares, ausência maternal ou paternal (em geral vivências conturbadas) levam ao desespero e a mecanismos de fuga imprevisíveis, senão suicidas. Em muitas sequências, há uma envolvente aproximação da câmera nos semblantes deprimidos dos personagens, enquanto esses relatam suas perturbadores histórias de vida comoventemente. São nesses momentos que, não só a câmera, mas também o próprio espectador tem a chance de se aproximar desses personagens, sentir suas dores e se emocionar com eles. Uma aula de dramaticidade e melancolia.
Não faltam motivos ou elementos narrativos e técnicos para que o público se apaixone por Maniac. Somos levados por meio de um visual encantador, uma soundtrack versátil (que vai desde os clássicos dos anos 70/80 até o indie rock e o dream pop de atualmente), belos enquadramentos e planos sequências que exploram pontos de vista diferentes e deliciosos efeitos especiais que se inserem na medida correta. Mas é realmente a narrativa e a maneira gostosa como é contada, com seus incontáveis alívios cômicos, que nos ganha durante 10 episódios de série. Sem falar que a chance de ver Jonah Hill e Emma Stone juntos novamente (depois de 11 anos de contracenarem na comédia Superbad) é revigorante.
Poucas vezes psicologia, ficção científica e comédia caminharam tão bem juntas. Provavelmente, a melhor forma de se definir essa série, é a mesma como Annie descreve Owen no último episódio: é como uma tristeza profunda, mas que tem muito carinho e meiguice por baixo.