42ª Mostra – Crítica: Em Chamas

42ª Mostra – Crítica: Em Chamas

Fogo que arde sem se ver

em chamas criticaEm dado momento de Em Chamas, o jovem protagonista Jongsu (vivido por Ah-In Yoo), um aspirante a escritor, confessa que está com dificuldade para elaborar seu primeiro romance literário porque não sabe de quase nada sobre o mundo. Até o final do filme, certamente ele terá aprendido um par de coisas, com direito a muito sofrimento pelo caminho.

A esta vontade de saber mais sobre as grandes questões da existência, sua amiga Haemi (Jong-seo Jeon) dá o nome de “grande fome”, algo bem mais difícil de aplacar do que a “pequena fome”, aquela capaz de ser resolvida pelas refeições cotidianas.

Esta é apenas uma das metáforas presentes no roteiro, adaptado pelo diretor sul-coreano Lee Chang-Dong e por Oh Jung-Mi a partir do conto Queimar Celeiros (publicado no Brasil na coletânea O Elefante Desaparece), do escritor japonês Haruki Murakami, um dos principais autores da literatura contemporânea.

Jongsu e Haemi são dois vértices de um triângulo amoroso pouco convencional que ainda inclui Ben (Yeun Sang-yeop), rapaz arrogante e rico, cuja origem da fortuna é misteriosa. Há implícita aí uma questão social: Ben diz, de forma evasiva, que ganha a vida jogando, e Jongsu se ressente desse tipo de pessoa, alguém que leva uma vida de ostentação enquanto boa parte da juventude de seu país sofre com alarmantes taxas de desemprego.

Ao vazio das perspectivas profissionais somam-se em Jongsu os vazios familiar (sua mãe o saiu de casa há muitos anos e seu pai está preso) e existencial. Sua rotina ganha um sentido novo conforme se aproxima de Haemi. Ele fica encarregado, por exemplo, de ir até o apartamento dela para cuidar do gato de estimação enquanto a garota viaja. Porém, os sonhos que passa a nutrir estão prestes a ser incendiados.

As visitas de Jongsu à quitinete minúscula habitada por Haemi tem uma beleza melancólica, assim como outros momentos mais contemplativos de Em Chamas, como quando a personagem feminina dança nua em frente ao pôr-do-sol, pouco antes de se desfazer em lágrimas. São imagens potentes criadas por Lee Chang-Dong, memoráveis.

Cada um dos três personagens centrais do filme têm personalidades distintas: Jongsu começa o filme como um observador passivo, mais sujeito às ações externas do que de fato agente destas ações. Ben é seu oposto, um auto-denominado semi-Deus que costuma fazer oferendas a si próprio.

No meio dos dois, Haemi, garota que ambos têm dificuldade para entender completamente, e cheia de mistérios. Porém, ela não fica reduzida a uma manic dream pixie girl (aquele tipo de personagem feminina irreal e cintilante que o cinema de Hollywood cansou de produzir), apesar do protagonista parecer vê-la desta forma boa parte do tempo. Um erro que, após a impactante sequência final, ele não voltará a cometer.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil

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