Crítica: Noite Passada em Soho

Crítica: Noite Passada em Soho

Se Woody Allen conseguiu nos encantar e nos envolver com naturalidade ao nos transportar para uma Paris nos anos 20 com seu imortal Meia-Noite em Paris (2012), é justo dizer que Edgar Wright tenta fazer o mesmo com sua Londres nos anos 60, mas utilizando de ferramentas e objetivos bem diferentes. Trabalhando o suspense psicológico em uma história com ares de romance e aventura, aqui, os subgêneros se misturam em uma montanha-russa de emoções que, embora fascine com seu visual arrebatador, nem sempre nos convence narrativamente. 

Em Noite Passada em Soho, acompanhamos uma jovem chamada Eloise (Thomasin McKenzie), apaixonada por design de moda, que após ingressar na faculdade, encontra um quarto para alugar em um prédio antigo. Porém, toda noite Eloise passa a ter sonhos vívidos na pele de Sandie (Anya Taylor-Joy) uma promissora cantora e dançarina que viveu em Londres nos anos 60. O que se inicia como um profundo deslumbre pelos costumes e glamour da época não demora a se mostrar uma sombria experiência que pode trazer consequências perigosas para Eloise.

Como de costume, a importância da soundtrack nos filmes do diretor se mostra novamente um dos principais pilares do filme, principalmente quando o assunto é nos ambientar numa época e num local específico, auxiliando no encantamento do espectador (mais funcional durante o primeiro ato). Porém, boa parte desse encantamento acaba por se esvair diante das decisões duvidosas do roteiro. Noite Passada em Soho se complica ao querer discutir inúmeros temas sem se aprofundar em nenhum deles. Sobram reflexões sobre exclusão social, assédio sexual, sororidade e outros. Esse excesso de temáticas prejudica não somente nosso envolvimento com a história, como também a própria construção da personagem principal, que acaba por se tornar uma espécie de espectadora dos eventos que a cercam. Os possíveis traumas e o passado de Eloise com sua mãe e sua avó esboçado nos primeiros minutos simplesmente não demonstram relevância para o enredo, assim como sua difícil relação com suas colegas de faculdade.

Sem dúvidas as maiores qualidades da obra residem em sua primeira metade. Ainda que a a ousada direção de Wright e a fotografia do mestre Chung-hoon Chung nos impressionem do início ao fim, é nos primeiros minutos que muitos de nós podem se identificar fortemente com a personagem de Eloise, seja devido ao seu refinado gosto musical e seu estilo de vida diferente das demais jovens de sua idade, ou seja por sua determinação profissional e sua admirável coragem frente às adversidades. A atriz Thomasin McKenzie demonstra total competência para dar vida à protagonista, assim como fez muito bem com suas personagens secundárias em filmes como Tempo (2021) e principalmente Jojo Rabbit (2019), ainda que aqui parte de seu tempo de tela seja ofuscado pelo talento da sempre ótima Anya Taylor-Joy.

A falta de objetividade do roteiro pode ser um sério problema para diversos espectadores, mas seria exagero dizer que isso torna o longa isento de qualidades. Há muito aqui para se valorizar, e cabe a cada um de nós identificar esses pontos positivos. Mesmo que o suspense por vezes caia nas armadilhas narrativas que tão bem conhecemos de outros longas do gênero, Noite Passada em Soho pode agradar o público que busca se entreter com um thriller psicológico sobre amor, injustiça e assassinato. Entretanto, não é de se surpreender que talvez o filme teria sido muito mais bem sucedido caso partisse exclusivamente da proposta de homenagear a vida noturna londrina durante a década de 60.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.