Crítica: Duna

Crítica: Duna

Duna, de Frank Herbert, apesar de considerado hermético e inadaptável, sempre pareceu destinado a inspirar obras grandiloquentes no cinema. A adaptação de Alejandro Jodorowsky, que não chegou a se concretizar, deixou artes conceituais de Moebius e uma variedade de materiais que sugeriam um sci-fi kitsch e inovador. Já a versão de David Lynch, mesmo que profundamente falha, entregou imagens e sons diferentes de tudo que havia sido visto no gênero, com mais uma série de escolhas estranhas como, por exemplo, a trilha original composta por TOTO. Ainda à espera de uma adaptação de sucesso, era questão de tempo até que a obra de Herbert atraísse mais outro cineasta com a missão de adaptar o impossível, e após o sucesso crítico de Blade Runner 2049, o material parece ter encontrado seu escolhido em Denis Villeneuve, que possui muitos fãs mas também sua parcela de detratores.

As marcas de Villeneuve são logo perceptíveis no brutalismo pelo qual a direção de arte opta para materializar os conceitos apresentados com grande consistência. Existe uma simplicidade na relação entre forma e função, deixando de lado os excessos vistos na pré-produção do filme de Jodorowsky e se aproximando mais da versão de Lynch, embora ainda mais focado na praticidade de tudo. Como em Blade Runner 2049, parece haver um encontro saudável e coerente entre o analógico e o digital, o que pode ser observado em parafernálias como os ornitópteros, cujo exterior alienígena esconde um interior extremamente próximo de um helicóptero comum, evitando painéis digitais e hologramas e trocando-os por botões e interruptores. Mesmo uma sequência como a primeira chegada dos vermes de areia remete ao mundo real no uso de aparatos de comunicação militares por rádio. Este filme triunfa no robusto design de produção de Patrice Vermette.

Tais aproximações à realidade fazem deste Duna uma adaptação mais terrena, mesmo com a presença de grandes naves e batalhas. As regras deste mundo estão mesmo nos conceitos mais abstratos, mas até a presença destes não torna a obra de Villeneuve particularmente hermética. Grande parte das ideias é apresentada com clareza – talvez até demais – com a ajuda de diálogos expositivos, que preenchem boa parte da longa duração de 155 minutos. O foco em exposição acaba por ser uma tentativa de aproximar o público não iniciado aos conceitos criados por Herbert, o que pode ser um acerto da perspectiva de uns mas também uma grande limitação no ponto de vista de outros. O resultado é um capítulo introdutório – esta é a primeira de duas partes – de progressão paciente, sem tantos eventos significativos. A sensação é a de ter testemunhado um primeiro ato, com alguns incidentes incitantes mas sem exatamente um clímax.

A maior dúvida que cerca Duna é, no entanto, se a abordagem escolhida para a adaptação renderá frutos. Será que o filme de Villeneuve encontrará seu público? Difícil não lembrar, por exemplo, do caso de John Carter, cujo material fonte influente não foi o suficiente para atrair espectadores aos cinemas. Na verdade, tendo inspirado tantas outras obras, o material adaptado acabou rendendo um longa não muito diferente do que já havia sido visto antes, resultando no fracasso nas bilheterias. Apesar de possuir um sabor distinto e contar com um elenco de peso, Duna corre o mesmo risco ao chegar depois de tantos avanços no gênero sci-fi. Não é, afinal de contas, uma reinvenção da roda, mas apenas uma sólida e arrojada realização de um antigo universo nas telas do cinema. De todos os seus méritos, o filme será lembrado pelo sucesso em adaptar um material particularmente difícil.

O que deve frustrar, ainda assim, é a ausência de um final e a aposta na existência de uma incerta sequência. Em Duna, não há uma estrutura presente de começo, meio e fim. São revelados os caminhos que levam ao deserto, mas este acaba não sendo tão explorado. O futuro fica reservado a visões e sonhos, não só do protagonista interpretado por Timothée Chalamet como também de toda uma equipe por trás das câmeras. O público pode apenas aguardar o sinal verde do estúdio para uma continuação, que dependerá do desempenho deste primeiro filme em sua estratégia de lançamento simultâneo em cinemas e streaming em território norte-americano. Uma coisa é certa: o destino aguarda. Só não sabemos qual é. 

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.