42ª Mostra – Crítica: José

42ª Mostra – Crítica: José

Me Chame Pelo Seu Nome no coração da América Central

jose critica

Ainda que haja quem não esteja disposto a admitir, existe muito em comum entre a periferia brasileira e a Guatemala, um dos países mais pobres do mundo e cenário de José. Esta é uma das primeiras coisas que salta aos olhos no longa dirigido por Li Cheng, ao vermos as ruas superpovoadas de sobrados, pequenos comércios e espaços de cultos fervorosos, ocupados por pessoas simples fazendo o que podem para levar suas vidas.

Se a rotina ali é pesada para qualquer um, é pior ainda para o jovem cujo nome dá título ao filme. O José interpretada por Enrique Salanic tem dezenove anos e é um filho dedicado à mãe, com quem mora junto. Trabalha numa lanchonete do bairro e, quando ninguém está vendo, tem encontros sexuais com outros homens. Num deles conhece Luis (Manolo Herrera), por quem se apaixona e passa a sair com mais frequência.

O roteiro, escrito por Cheng em parceria com George F. Roberson, coloca em choque o ideal romântico de José e os obstáculos que ele próprio e a sociedade extremamente conservadora ao redor impõem.

Dois dos seus colegas de trabalho estão num relacionamento heterossexual, e o protagonista não faz cerimônia para colocar o namorado de sua amiga contra a parede: “Você a ama? Vai estar sempre ao lado dela?”, pergunta ao rapaz, que se esquiva. É uma demonstração de sua ingenuidade quanto aos assuntos do amor, algo que será colocado à prova durante a história.

Outro ponto de destaque no filme é o número de cenas nas quais José aparece grudado ao celular. É através do aparelho que conhece outros homens, marca encontros, troca mensagens, e por isso mesmo captar um bom sinal de wi-fi é algo importantíssimo. Num lugar onde não há bares ou festas específicas para a comunidade gay, o telefone é praticamente o único aliado, um santuário de privacidade na hora de poder se expressar livremente.

Se não tem um refinamento estético apurado, devidas às claras e compreensíveis restrições orçamentárias, José apresenta alguns planos interessantes, principalmente nas cenas externas. Numa delas, o protagonista e Luis empurram sua moto em cima de uma ponte, vistos à distância, como vultos no pôr do sol, uma imagem clássica do cinema da qual o longa se apropria para ressignificar. Em outra, mais perto do final, José passeia pelas florestas de seu país, transitando entre peças de povos ancestrais, como num rito de passagem para a vida adulta.

O amadurecimento é um processo que não vem sem frustrações, especialmente para jovens gays. É assim até em ambientes idílicos, como o de Me Chame Pelo Seu Nome. O sofrimento é ainda maior no coração da América Central.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil