Crítica: Buscando…

Crítica: Buscando…

Nova embalagem para uma velha história

Imagem do filme 'Buscando...'

Segundo levantamento do Hootsuite publicado no começo de 2018, 4,021 milhões de pessoas ao redor do mundo estão hoje conectadas à internet com alguma frequência. O número representa 53% da população mundial. Se você está lendo este texto, é porque certamente está neste grupo. Qualquer um que tenha o costume de dedicar boa parte do seu tempo às atividades online vai se identificar com Buscando…, e por isso o filme tem um apelo inicial quase irresistível.

Contado inteiramente em cenas que emulam imagens de computadores, celulares, câmeras de vigilância e canais de TV, o longa causa angústia por apresentar um aparente paradoxo: numa época em que a sensação é de estarmos sendo observados o tempo todo, como é possível que alguém desapareça?

Pois é este o drama de David Kim (John Cho), que lida com o sumiço repentino da filha adolescente Margot (Michelle La). O que começa com uma simples demora em responder mensagens se transforma em desespero quando a garota não volta para casa. Aos poucos, o pai vai ligando os pontos de uma vida real muito diferente daquela que imaginava. Ela tinha pouquíssimos amigos e não fazia mais aulas de piano, por exemplo, ao contrário do que dizia.

É louvável o trabalho de traduzir cada tela de site, canais de notícias, chamadas de voz e etc para o português, garantindo uma experiência orgânica, fundamental para o ritmo do longa.

Buscando… é contado como se estivessemos dentro da cabeça de David. Não exatamente por meio de uma câmera subjetiva, mas pela visão das telas que o personagem vai abrindo, onde cada clique representa uma nova pista, para ele e para o público. Mais que um personagem, este pai é o nosso avatar no jogo de detetive que o diretor Aneesh Chaganty propõe.

O filme fica melhor se encarado apenas por este viés lúdico. Até porque, por baixo do verniz moderno, a verdade é que a história é para lá de batida. O desaparecimento de crianças é um tema clássico do cinema de suspense e terror, justamente por representar o pior pesadelo para quem tem filho.

O roteiro escrito por Chaganty e  Sev Ohanian lança mão de um golpe baixo logo nos minutos iniciais, ao matar a mãe da garotinha e esposa do protagonista por um câncer, mostrado por fragmentos de emails entre ela e os médicos, além de vídeos de sua luta contra a doença. O sentimentalismo também dá o tom dos últimos minutos, afastando o longa de uma atmosfera sombria.

Não há também nenhuma preocupação em discutir o distanciamento entre pai e filha, ou a fixação de uma geração que constrói identidades alternativas na internet enquanto pouco se interessa em construir laços no universo offline.

O filme tem, sim, boas sacadas, como o tribunal das redes sociais em pleno funcionamento, exemplificado pelos boatos que começam a se espalhar de que o próprio David estaria por trás do sumiço de Margot. Ou quando mostra até onde os pais podem ir para proteger seus filhos, para o bem ou para o mal, na reviravolta que encaminha o enredo para sua conclusão. Mesmo assim, faz isso sem a profundidade dos nacionais Ferrugem e Aos Teus Olhos, duas produções recentes que discutem temas parecidos.

Como entretenimento e experiência de realidade virtual, Buscando… é ótimo. Porém, algumas escolhas narrativas feitas numa zona de conforto revelam que seu autor está mais interessado em ousar na forma do que no conteúdo.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil