Crítica: Dogman

Crítica: Dogman

Matteo Garrone mostra desumanização de protagonista em drama brutal

Imagem do filme 'Dogman'

Ao lado de Paolo Sorrentino (vencedor do Oscar por A Grande Beleza), Matteo Garrone é um dos cineastas italianos mais celebrados da atualidade. Gomorra, vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes-2008, era um retrato violento da máfia napolitana que chamou a atenção do mundo todo. Depois de passar um pouco pela fantasia em Reality – A Grande Ilusão (2012) e O Conto dos Contos (2015), o diretor volta a um registro brutal em Dogman. Agora, usa a história de dois personagens centrais como mote para falar sobre atos de barbárie que borram as fronteiras entre o comportamento humano e animal.

O começo do filme pode até sugerir o contrário. Vemos o cotidiano do simpático Marcello (Marcello Fonte), dedicado dono de um pet shop, apaixonado por cachorros, pai comprometido de uma doce garotinha e bem-quisto por toda a vizinhança. Porém, seu comportamento gentil e físico franzino acabam tornando-o presa fácil do brutamontes Simoncino (Edoardo Pesce), dado a aparições repentinas no estabelecimento para comprar drogas e provocar o caos.

Garrone filma seus dois personagens centrais de forma a reforçar o contraste entre eles. É como se ambos fossem de raças diferentes. Da mesma forma que acontece com os bichos, há implícita uma relação de dominância ali.

Em certo momento, os comerciantes do bairro, todos cansados do comportamento agressivo de Simoncino, decidem se devem ou não matar o sujeito, como se este fosse um cão raivoso a ser sacrificado. Talvez justamente por ter um cuidado especial com os animais (a ponto de arriscar a vida para tirar um cachorro deixado no freezer durante um assalto, numa cena que trafega entre a tensão e o humor negro, como muitos momentos do longa), Marcello é mais tolerante com aquele delinquente.

Não é como se ele tivesse muitas outras opções. O cenário de Dogman está sempre coberto por nuvens carregadas, conferido ao local onde a ação se desenvolve um caráter desolador, reforçado também pelas fachadas antigas do centro comercial onde seus personagens trabalham e o decadente parque de diversões abandonado ali perto. É uma atmosfera fria, terra castigada pela pobreza e na qual a única lei ainda vigente é a do mais forte.

À medida em que a degradação de seu protagonista se acentua, este se despe de seus aspectos humanos. Torna-se também um cachorro, latindo sem ser ouvido pelos colegas e trazendo sua caça como oferta para tentar ser aceito na matilha novamente, na acachapante sequência final. É uma performance que vai ficando aos poucos mais impressionante, reconhecida com o troféu de melhor ator na última edição do Festival de Cannes.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil