Crítica: Legalize Já – A Amizade Nunca Morre

Crítica: Legalize Já – A Amizade Nunca Morre

Ensaio sobre a amizade

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Antes de D2 havia Marcelo Peixoto. Antes do Planet Hemp havia o sonho de Luís Antônio da Silva Machado, o Skunk, de viver por meio da própria arte. O encontro entre os dois culminou na mudança da história de Marcelo e, como consequência, da música brasileira nos anos 1990. É justamente a trajetória da dupla até meses anteriores à gravação do álbum Usuário (1995) que serve como fio condutor para Legalize Já – Amizade Nunca Morre.

A linguagem dinâmica e fluída do longa, um dos méritos dos diretores Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, faz a obra flertar com a linguagem de videoclipe, um dos marcos estéticos daquela época, e a tornar ágil a interação entre D2 (Renato Góes) e Skunk (Ícaro Silva). Inclusive, as atuações dos dois atores são outros pontos fortes da trama.

Mais do que contar a história dos primeiros anos do Planet Hemp, Legalize Já ajuda o espectador – ou fã da banda no caso dos mais saudosistas – a mergulhar na verve dos protagonistas. Se Skunk era obstinado e sonhador, ao mesmo tempo em que sabia com propriedade que a sua arte poderia ser o marco de uma geração, Marcelo vivia em uma espécie de autorreclusão e colocava uma barreira entre ele e o mundo. Ainda assim, os dois tinham em comum a inconformidade com o ambiente onde viviam e os interesses musicais – a cena em que eles conversam sobre a discografia da banda punk Dead Kennedys é um dos pontos de virada da narrativa e o marco inicial da amizade entre eles.

Todavia, algumas barreiras pessoais poderiam colocar a batalha musical em risco. D2 trabalhava como camelô e vendia camisetas de bandas de rock ‘n’ roll no Rio de Janeiro, mas precisava buscar por outros meios de sobrevivência: Sônia, à época parceira de D2, estava grávida de Stephan Peixoto, e o futuro pai estava tentando decifrar como sustentar a nova família. Ainda, o pai dele, interpretado por Stepan Nercessian, o colocou para fora de casa – de acordo com o próprio, para “tomar um rumo” na vida. Para quem assistir ao filme, isso pode soar como um ato de crueldade com o filho ou a algo análogo à “hora e vez” de Guimarães Rosa. O fato? Isso serviu como incentivo para Marcelo, mesmo que por vias tortas.

No outro extremo, Skunk lidava com os efeitos cada vez mais severos do vírus HIV – a informação a seguir não é spoiler, pois se trata de um fato biográfico: ele morreu em decorrência da doença. Enquanto ele escondeu ser portador de AIDS para D2, Brennand (Ernesto Alterio), dono do bar onde aconteciam as reuniões da dupla e, posteriormente, do Planet Hemp, o ajudou a lidar com os efeitos cada vez mais fortes da síndrome, inclusive no estágio terminal.

Se Brennand apostou no trabalho artístico da banda, sendo uma espécie de mecenas moral – e etílico nas horas vagas -, a obstinação de Skunk encontrou na produtora Suzana (Rafaela Mandelli) a mola propulsora para o Planet Hemp legalizar e fazer barulho. Contudo, nada disso seria possível se não fosse a relação de irmãos que ele e D2 passaram a ter.

Mais do que um filme biográfico, Legalize Já – Amizade Nunca Morre é uma homenagem a Skunk. É como se fosse possível ouvir D2 dizer “valeu, parceiro” para ele em cada cena. Ah, sim: isso tudo acontece sem ser clichê e piegas.

Amauri Eugênio Jr

Jornalista. Cinéfilo, crítico cultural wannabe e interessado por assuntos relativos a esportes, direitos humanos e minorias. Foi redator de cinema do Yahoo por um ano.