Crítica: Marvin

Crítica: Marvin

Drama francês conta história de jovem que vê na arte um veículo para fugir da opressão e encontrar a si mesmo

Imagem do filme 'Marvin'

A arte pode servir de ferramenta para uma catarse individual, uma forma de exprimir sentimentos tão profundos que, colocados no mundo, assumem novos significados para o autor a partir desta troca com seu público. É assim para o protagonista de Marvin, drama biográfico sobre um jovem ator e dramaturgo que encontra-se consigo mesmo à medida que conta sua história nos palcos.

O filme da diretora Anne Fontaine (Coco Antes de Chanel e Agnus Dei) se passa em dois momentos: a infância do protagonista Marvin Bijou num vilarejo humilde do interior francês, em meio à um ambiente opressor e repleto de preconceito que começa na própria casa, e sua juventude numa cidade maior, quando passa a estudar teatro e preparar um monólogo.

Estas duas fases vão se intercalando na montagem do longa, demonstrando o quanto do passado incide sobre o presente do personagem. São cicatrizes profundas que marcam seu psicológico, acostumado à rejeição e um distanciamento seguro de outras pessoas, demonstrado no envolvimento hesitante com um homem mais velho que o corteja, por exemplo.

Se nas cenas de Marvin criança, quando é interpretado por Jules Porier, o roteiro segue a cartilha conhecida de cenas de bullying e famílias disfuncionais, tem destaque o encontro do menino com o teatro, sob os olhos da professora Madeleine Clément (Catherine Mouchet, de Troca de Rainhas). O encantamento do personagem por aquela forma de expressão é notável logo em seu primeiro contato, quando surpreende a todos numa pungente reconstituição da rotina que vive com os pais.

A professora Clément, que Marvin depois homenageia ao adotar seu sobrenome quando “mata” a identidade anterior para assumir uma nova, é apenas uma das madrinhas encontradas pelo protagonista durante a jornada. A outra é a atriz Isabelle Huppert, indicada ao Oscar por Elle, que entra em cena interpretando a si própria, e o coloca sob suas asas.

Neste ponto do filme, o personagem principal já é interpretado por Finnegan Oldfield, indicado com esta atuação ao prêmio César, o mais importante do cinema francês, na categoria de ator revelação. Sua performance impressiona pela sutileza, construindo um jovem homem gay introvertido, ainda tateando sua personalidade, e que reserva suas explosões para o palco.

Na parte final, ainda há tempo reservado para um acerto de contas com o passado. O sucesso da encenação de Marvin chegou até sua cidade natal, mas a comunidade não ficou nada satisfeita ao se ver retratada como um antro de gente preconceituosa e atrasada. O rapaz volta até lá, não em busca de vingança ou da volta por cima, acima de tudo para entender o que aqueles laços ainda significam para ele. Este sobrevivente fez da arte seu veículo de fuga e sabe que levar rancor na bagagem só dificultaria o caminho.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil