Crítica: O Orgulho

Crítica: O Orgulho

Drama toca em questões sociais profundas da França atual, mas destoa com final conciliatório

Imagem do filme 'O Orgulho'

Ao final da última Copa do Mundo de futebol, reflexões sobre as questões da imigração na campeã França dividiram espaço com saudações aos méritos esportivos de sua seleção. Assim como os craques Kylian Mbappé e Paul Pogba, milhares de anônimos de ascendência africana e árabe vivem no país atualmente, lidando com o racismo de quem não aceita que cidadãos de diferentes etnias possam também compor a identidade nacional do país. No caso destes indivíduos, muitas vezes é necessário esforço dobrado para qualquer mérito ser reconhecido.

É uma questão delicada e que os franceses estão longe de resolver em definitivo, como é possível ver neste O Orgulho, filme dirigido por Yvan Attal. A competição aqui não se dá nos campos, mas nos salões universitários. A cantora Camélia Jordana interpreta Neila Salah, jovem da periferia que entra no curso de direito de uma das principais faculdades da França. Seu primeiro dia de aula vira um pesadelo quando, ao chegar atrasada, é recebida com uma chuva de piadas e comentários preconceituosos pelo veterano professor Pierre Mazard (Daniel Auteuil).

A postura xenófoba de Mazard pega mal. Com as imagens de seu discurso arrogante jogadas na internet por outros alunos que presenciaram a cena, ele fica em maus lençóis perante a reitoria. Querendo abafar o que poderia se tornar uma controvérsia pública, a direção sugere uma forma do professor se redimir: treinar a humilde Neilah para que ela se torne a vencedora do concurso nacional de debates.

Tem início aí uma história com o molde típico de mentor e pupila. No entanto, a relação repleta de atritos entre os dois, provenientes do delicado contexto social onde estão inseridos, mantém a tensão dos encontros. Muito disso está na expectativa de saber até onde a garota consegue aguentar as insinuações maldosas do mestre antes de jogar tudo para o alto. Mas ela não é de desistir fácil e, não apenas tolera tais comentários, como se mostra ótima aprendiz, passando a aplicar as lições de eloquência também na vida pessoal.

Pela maior parte do tempo, Attal parece estar do lado de Neila. Seu cotidiano entre a família e amigos é mostrado em sequências naturalistas, que nunca pesam a mão, justamente para evitar colocá-la como coitadinha. Seja na rua ou nos suntuosos corredores acadêmicos tradicionais (filmados de forma a reforçar sua imponência e capacidade de intimidação), a jovem é sempre fiel a si mesma, mérito também da atuação de Jordana, premiada com o troféu de atriz revelação na última edição do César, o Oscar do cinema francês.

Como o antipático professor, Auteuil (velho conhecido por trabalhos em filmes como Caché e O Closet) também mostra a competência habitual. Porém, seu personagem é tão detestável, a ponto de comprar briga com uma senhora que simplesmente passeava com o cachorro de estimação, que fica difícil de sentir qualquer potencial de redenção para ele. Por isso mesmo, o final conciliatório proposto por O Orgulho é difícil de engolir.

Natural que, no mundo real, todos torçam para conflitos encontrarem um desfecho pacífico. No entanto, para uma história sobre o poder da eloquência e com a pretensão de tocar em assuntos tão complexos a resolução mágica, da maneira pela qual é encaminhada, soa frustrante.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil