Crítica: Paterson

Crítica: Paterson

A-Ha! Assim como Além das Palavras, que estreia neste fim de mês, Paterson é prova de que até a mais ordinária das vidas pode render uma extraordinária experiência na sala de cinema. Dirigido e roteirizado pelo grande autor indie Jim Jarmusch, que mais recentemente fez o ótimo filme de vampiros Amantes Eternos, Paterson segue o caminho oposto de seu longa anterior e entrega um exercício 100% comprometido ao mundano.

Paterson é um motorista de ônibus na cidade de Paterson, New Jersey, que usa de seu tempo livre para conceber poemas profundamente pessoais. Não são textos pretensiosos, mas pequenas observações sobre a vida que vive. Desde os primeiros minutos, fica claro que esta vida é plenamente satisfatória para seu protagonista. Acorda, toma café, dirige seu ônibus, volta para casa, janta com a esposa, passeia com o cachorro e bebe em um bar nas redondezas. No próximo dia, repete seus passos de bom grado, com algumas variações.

Tal conceito e personagem seriam incapazes de cativar caso Jarmusch não elencasse alguém tão talentoso quanto Adam Driver no papel. Driver, com sua aparência esguia e feições tortas, compõe Paterson como aquele sujeito que todos conhecemos em algum momento do nosso dia, um pequeno coadjuvante que nos marca de alguma maneira. Corajosamente, este é um filme exclusivamente sobre este sujeito, e Driver traz uma leveza e um carisma para alguém que, no papel, seria a cura da insônia. Além disso, o jovem ator traz uma intensidade equilibrada aos momentos nos quais recita os poemas da personagem, concebidos em realidade pelo poeta Ron Padgett.

Completando o elenco, uma série de pequenas participações. Em primeiro plano, temos Golshifteh Faharani como Laura, esposa de Paterson, artisticamente engajada e ambiciosa. Inicialmente, tem-se a impressão de que sua pretensão e a falta desta em seu marido tornarão em um ponto de partida para conflitos na trama, mas Jarmusch felizmente deixa de lado quaisquer artifícios dramáticos, entregando o retrato de uma relação quase utópica em sua pacatez.

Em outro plano, temos pequenas porém marcantes personas interpretadas por Barry Shabaka Henley, William Jackson Harper, o músico Method Man e principalmente Masatoshi Nagase, que divide com Driver a melhor cena de todo o longa, numa série de constatações lindamente discretas sobre a natureza do improvável poeta titular.

Claro, não posso não falar do papel de Jarmusch nisso tudo, e aqui o autor demonstra uma clareza quase zen de visão. Estruturando seu filme ao longo de uma semana, Jarmusch brinca com as expectativas do público , que por sua vez pode se acalmar com a aparente repetitividade na vida de seu interlocutor. Constrói o equilíbrio perfeito de solenidade e banalidade, tendo o excelente apoio da música de SQURL, banda que colaborou com o diretor em seu estiloso longa anterior.

Como o mestre que é, Jarmusch traz o nível necessário de insight para que sua estrutura não se torne imediatamente maçante, encaixando de maneira graciosa segmentos de diálogo alheio que fazem desejar uma nova iteração de seu ótimo projeto Sobre Café e Cigarros.

Paterson é apenas mais um filme na carreira de um diretor de muitos outros filmes, tornando-se cada vez mais especial por isso. Paterson, por sua vez, é apenas mais um aspirante em uma cidade cheia deles, na qual anarquistas pegam o ônibus casualmente, rappers têm lavanderias como fonte de inspiração e rimas internas vem na forma de irmãos gêmeos. Seria Paterson, o homem, gêmeo de Paterson, a cidade? A-Ha!

FICHA TÉCNICA
Direção: Jim Jarmusch
Roteiro: Jim Jarmusch, Ron Padgett (poemas)
Elenco: Adam Driver, Golshifteh Farahani, Barry Shabaka Henley, Masatoshi Nagase
Fotografia: Frederick Elmes
Montagem: Affonso Gonçalves
Trilha Sonora: SQURL
Duração: 118 min
Distribuição: Fênix Filmes
Gênero: ???

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.