Crítica: Samantha – 1ª temporada

Crítica: Samantha – 1ª temporada

Se a cultura pop nacional sempre foi uma sitcom repleta de piadas prontas, série da Netflix faz o trabalho de formatá-las e entregá-las de volta ao público em versão satírica

Em algum momento do início dos anos 2000, houve um resgate daquilo que de mais bizarro aconteceu na cultura pop brasileira durante a década de 80. Eventos como a famosa festa Trash 80’s, no centro de São Paulo, apelavam para a nostalgia de quem cresceu vendo figuras como a trupe do Balão Mágico ou Trem da Alegria, Rosana (do hit ‘Como Uma Deusa’), além do palhaço Bozo, e ressignificam tudo aquilo.

O que antes era visto como brega, agora era algo levemente descolado e, mais importante, comercialmente rentável, pelo menos dentro de um nicho: aqueles que, de alguma forma, buscavam reviver a infância. Para quem se identificou com este contexto, Samantha!, produção original da Netflix disponível desde o último final de semana, é irresistível.

Quando criança, a personagem título era a líder da fictícia Turminha Plimplom, cantora e apresentadora mirim adorada em todo o país. A partir da adolescência, veio o ostracismo. A série é centrada nos dias atuais, com sua protagonista (vivida por Emmanuelle Araújo) já na casa dos 30 anos, mãe de dois filhos e com o ex-marido e ex-jogador de futebol Dodói (Douglas Silva) saindo da prisão. Apesar do contexto teoricamente desfavorável, ela está disposto a alcançar novamente um lugar de destaque na mídia.

Clichês bem conhecidos no mundo do entretenimento brasileiro servem de alvo, ao longo dos sete episódios da primeira temporada. Ficção e realidade se confundem na cabeça do espectador antenado com as fofocas de celebridades (e, pode confessar, quem de nós não tem esse lado?).

Samantha, ex-artista infantil, casou com o marido enquanto ele estava na prisão, assim como Simony, revelada no Balão Mágico, fez no mundo real, no já longínquo ano 2000. A personagem também chega a ser a oitava noiva de um certo Flávio Jr (Paulo Tiefenthaler), cantor romântico famoso por casamentos rápidos e frequentes – referência clara a um quase homônimo bastante conhecido do público. Em outro trecho, Gretchen faz uma ponta como ela mesma. E por aí vai… Se a cultura pop nacional sempre foi uma sitcom repleta de piadas prontas, Samantha! faz o trabalho de formatá-las e entregá-las de volta ao público em versão satírica.

A atuação de Emmanuelle, que vem de viver a própria Gretchen no filme Bingo – O Rei das Manhãs, é um dos trunfos. Completamente à vontade no papel, ela consegue evitar a vulgaridade e tornar simpática uma personagem sem escrúpulos, capaz de mentir e passar por cima de quem enxerga como obstáculo. Participações especiais de Alice Braga, Ary França, Gilda Nomacce, Rodrigo Pandolfo e Alessandra Negrini, todos interpretando indivíduos com pelo menos um pé no excêntrico, também são bastante divertidas.

Já entre as crianças, o elenco fica mais irregular. Isso porque o roteiro, escrito por Roberto Vitorino e Patricia Corso é repleto de tiradas sarcásticas que funcionam no papel, mas se tornam tarefas cruéis para atores mirins. Quem mais sofre com isso é Cauã Gonçalves, como o caçula Brandon, um garoto de oito anos que se acha adulto. Apesar de sua participação ser escrita como a de alguém que realmente pensa como um homem mais velho, a atuação é por demais inocente para fazer com que isso soe realmente engraçado.

Esteticamente, a direção de Luis Pinheiro (das visualmente inventivas Lili, a Ex e Mulheres Alteradas) prefere pegar carona em modelos reconhecíveis para fazer suas paródias. Num episódio, a fotografia emula um reality show, por exemplo. Em outro, o ponto de vista do celular da jovem Laila (Lorena Comparato) é replicado diversas vezes.

Quando os personagens estão em casa, tudo parece ser um enlatado norte-americano, enquanto nas externas há uma pegada mais realista. Diante disso, a série patina para encontrar uma personalidade própria em relação à sua linguagem visual.

Se não consegue se colocar narrativamente acima daquilo que pretende tirar sarro, ao não tentar soluções que fujam do padrão vigente na teledramaturgia nacional, Samantha! é melhor encarada como homenagem. O gancho para uma possível segunda temporada sugere que as coisas podem ficar mais sérias nos novos episódios, com outro tipo de circo bem brasileiro a ser explorado, a política. É esperar para ver se o discurso crítico subirá o tom.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil