Crítica: Custódia

Crítica: Custódia

Em seu notável primeiro longa, o diretor Xavier Legrand mantém suspense até pegar o público pela garganta

Imagem do filme Custódia

O termo ‘montanha russa emocional’ costuma ser utilizado por críticos – especialmente os norte-americanos – para descrever experiências cinematográficas que abalam e desorientam o espectador. Estreia do ator Xavier Legrand como diretor de longas, o drama francês Custódia, que marcou presença na 41ª Mostra de São Paulo, faz por merecer essa descrição, mas se destaca especialmente pela maturidade de sua execução.

O argumento do roteiro, também escrito por Legrand, já é forte: um filho (Thomas Gioria) se vê em meio a uma ferrenha disputa de guarda entre sua mãe (Léa Drucker) e seu pai (Denis Ménochet), recém-divorciados. Na primeira cena do longa, somos diretamente e literalmente colocados no meio do conflito, sabendo através de uma audiência que o pai tem comportamentos supostamente abusivos e que a mãe o afasta de seus filhos por motivos de segurança. Trata-se de um longo e bem encenado diálogo entre uma juíza (Saadia Bentaïeb, 120 Batimentos por Minuto) e as advogadas dos dois, facilmente o momento mais verborrágico do filme, que depois se desenrola de maneira mais sugestionada.

Com o contexto fornecido nos primeiros minutos de filme, o espectador é deixado em um constante estado de apreensão, como se investigasse e formulasse suas próprias conclusões ao longo do caminho – Legrand conhece muito bem os tempos em que vivemos, fazendo com que a narrativa funcione independente de bagagem ao apostar inicialmente em uma visão nebulosa do ambiente familiar turbulento e pacientemente plantando ideias e suspeitas. Por isso mesmo, quando Custódia se aproxima de seus momentos derradeiros, o clima de tensão crescente chega a se tornar insuportável. A brilhante cena final vem como uma síntese de tudo que a precede, alcançando um estado de medo primal.

É de se impressionar que Custódia expresse tamanha densidade com uma duração de cerca de 90 minutos, mais uma vez provando que um filme pode representar mais que a soma de suas partes – essas partes, no entanto, já são poderosas por si só: complementando o texto maduro e a condução inteligente das cenas, um elenco em grande forma e sem elos fracos.

Com seu rosto memorável (vide sua breve participação em Bastardos Inglórios), Denis Ménochet confere humanidade à ameaçadora figura do pai, um homem cuja tormenta o torna em uma bomba de fragmentação. Já a mãe é interpretada pela excelente Léa Drucker (do curta de estreia de Legrand, Antes de Perder Tudo), que convence na expressão de seu desespero ao mesmo tempo em que representa uma figura materna implacável na intenção de proteger os filhos. O jovem Thomas Gioria, por sua vez, divide momentos marcantes com Ménochet e Drucker, mantendo-se à altura dos dois no que deve ser um papel dificílimo para alguém de sua idade. Legrand com certeza fez suas lições de casa em frente e atrás das câmeras.

Fotografado de maneira natural por Nathalie Durand e montado com boa economia de planos por Yorgos Lamprinos, Custódia pode ser comparado a diversos outros dramas de abordagem naturalista, porém sua inesperada sequência final o distingue e desafia convenções, proporcionando reações viscerais e amarrando o longa em um nó – especialmente o que é deixado na garganta do público. Em seu primeiro longa-metragem, Xavier Legrand não está de bobeira.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.