Crítica: Todos Já Sabem

Crítica: Todos Já Sabem

O preço dos segredos

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Em seus dois longas ganhadores do Oscar de melhor filme estrangeiro (A Separação e O Apartamento), o cineasta iraniano Asghar Farhadi se mostrou um hábil construtor de teias intrincadas entre personagens e os contextos sociais onde habitam. Ao trocar o Oriente Médio pelo interior espanhol em Todos Já Sabem, o diretor se aproxima de uma linguagem mais familiar ao público latino. Não seria exagero comparar o enredo deste drama com o de tradicionais novelas e folhetins, por exemplo.

Tal aproximação não é demérito. O melodrama, quando bem feito, pode resultar em histórias potentes e de emoções à flor da pele, como é o caso aqui, a partir da primeira meia hora. Até este ponto, o filme flerta com a comédia de costumes. Somos apresentados a um vilarejo que se prepara para sediar o casamento da filha de uma família tradicional, irmã da protagonista Laura (Penélope Cruz).

Retornando temporariamente ao lar do clã, já que mora na Argentina ao lado do marido Alejandro (Ricardo Darín), que à princípio se ausenta da viagem, ela é o fio condutor do roteiro entre o emaranhado de personagens que vão surgindo na tela durante os primeiros minutos.

Como é tradicional no cinema de Farhadi, acontece uma situação-limite que muda o rumo das coisas, e, por consequência, revela o verdadeiro tom da obra: o sequestro de uma adolescente. É o estopim para que as rusgas entre aqueles indivíduos fiquem mais evidentes, com segredos e ressentimentos passados vindo à tona. Cai por terra aquele verniz de parentada hospitaleira e de coração aberto em que até comportamentos grosseiros, como os demonstrados pelo patriarca, são considerados demonstrações de afeto. Quanto maior a família, essa instituição tão arraigada na alma dos povos de origem latina, maior a probabilidade de intrigas internas aparecerem.

A equação ganha em complexidade conforme o dinheiro vira o fator preponderante capaz de resolver o nó. Como se sua necessidade fosse a única justificativa para revelar verdades até então ocultas – e que outro poder é maior do que o monetário hoje em dia?

Este processo de deterioração emocional dos personagens é personificado principalmente por Paco, interpretado em Javier Bardem, em sua melhor atuação desde o vilão de 007 – Operação Skyfall. O homem que encarna começa como o sujeito brincalhão e afável, e aos poucos vai entrando numa espiral de dilemas conforme responsabilidades que desconhecia começam a pesar sobre seus ombros.

Bardem tem a sensibilidade de não fazer uma mudança radical em sua atuação, como se pulasse de uma identidade para outra entre início e desfecho do filme, mas de adicionar camadas à medida que o próprio Paco a descobre.

Em dado momento, o mistério que atormenta aquelas figuras se torna secundário. Até por isso, a revelação sobre o culpado não vem exatamente como uma reviravolta. Farhadi se mostra mais interessado em estudar como o efeito cascata de manter coisas em segredo pode cobrar seu preço anos mais tarde. Lição que, na última cena, uma das personagens deixa claro que entendeu.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil