Rebobinando: Irene, a Teimosa (1936)

Rebobinando: Irene, a Teimosa (1936)

Alguns podem duvidar, mas não é impossível encontrar formidáveis clássicos da Era de Ouro de Hollywood enquanto passeamos pela Netflix (embora não seja um Oldflix), e a prova disso foi minha experiência com esta sublime e quase esquecida produção que hoje homenageio. Mas o Rebobinando dessa vez não apenas relembra, ele indica e recomenda que você leitor, assista à essa obra-prima o mais rápido que puder, pois além de se fazer necessária por ser um dos filmes mais importantes da proeminente década de 30, nunca se sabe quando pode sair do catálogo dessa distribuidora tão conhecida entre nós, cinéfilos. O clássico romântico de hoje é…

IRENE, A TEIMOSA (1936)

Ainda que não seja uma das piores traduções brasileiras que já vimos, Irene, A Teimosa não chega a agradar, visto que o título original da obra é My Man Godfrey. Felizmente o filme em si é imensamente superior à esquisita tradução que possuímos por aqui, e não decepciona em nenhum conceito técnico, assim como em sua temática simples, cheia de ternura e principalmente funcional até hoje. A primorosa direção de atores e o roteiro acelerado garantem risos e grandes emoções ao espectador, que se vê diante de uma screwball comedy (comédia maluca) seriamente relevante para o cinema mundial.

O enredo acompanha um mendigo chamado Godfrey (William Powell), que mora debaixo de uma ponte por conta da vigente crise econômica que o país se encontra. Ele é convidado por uma socialite, Irene Bullock (Carole Lombard), para trabalhar como seu mordomo. Ao chegar lá, se vê diante de uma rica e louca família – a mãe, Angelica (Alice Brady), vive em outro mundo; o pai, Alexander (Eugene Pallette), só quer saber de negócios; uma das irmãs, Cornelia Bullock (Gail Patrick), quer vê-lo despedido; enquanto Irene se apaixona perdidamente por ele.

Assim como A Malvada, o filme explora seus múltiplos personagens muito bem, elaborando-os em cima de suas ambições/objetivos sem torná-los vítimas da passividade e do desconhecimento. Entre eles, além dos 5 já citados, marcam presença a empregada Molly (Jean Dixon) e o protegido da família, Carlo (Mischa Auer), sendo ambos cômicos e interessantes aos olhos do público. O grande trunfo do filme está na maneira como trabalha sua história, uma vez que mesmo possuindo vários personagens com bom tempo em cena, consegue manter um foco íntegro em seu casal de protagonistas (a insistente Irene e o tranquilo Godfrey), que interpretados pelos brilhantes atores Carole Lombard e William Powell, satisfazem todas expectativas da platéia logo no primeiro ato do filme.

Irene, A Teimosa cria subtramas divertidíssimas ao longo da história, como a implicância de Alexander com Carlo e o desgosto de Cornelia por Godfrey, mas a verdadeira graça da obra é a relação anormal da apaixonada Irene e do reservado Godfrey, sendo cômico e belo em todas as cenas. A fotografia em preto e branco realizada pelo experiente Ted Tetzlaff chega a ser esplêndida, com mapas de luz bem definidos e uma iluminação cuidadosa de dar inveja. O roteiro de Morrie Ryskind é no mínimo infalível, carregado de acontecimentos imprevisíveis (visto o ambiente louco da casa dos Bullock) e de diálogos impetuosos, muito bem escritos e interpretados por sinal, algo que não podia ser diferente com nomes tão conhecidos e talentosos no elenco.

Todos os aspectos da obra em exímia forma evidenciam a habilidosa direção de Gregory La Cava, que além de manter tudo em seu lugar, garantiu junto à Ted, uma predominância de planos médios bem escolhidos, além dos closes adequados em certas cenas. Este clássico levanta questionamentos pertinentes como as causas e consequências da desigualdade social, a maneira como julgamos as pessoas por sua aparência ou padrão financeiro, a solidariedade do mais pobre para com o mais rico, e o amor que envolve qualquer alma em qualquer situação.

O filme é um dos clássicos mais significantes da história do cinema, considerado uma das obras mais culturalmente relevantes para o cinema americano. Foi o primeiro filme a conquistar indicações ao Oscar em todas categorias de atuação (melhor ator para Powell, melhor atriz para Lombard, melhor ator coadjuvante para Mischa Auer, e melhor atriz coadjuvante para Alice Brady), além de ter recebido outras duas importantíssimas indicações ao Oscar, a de melhor roteiro adaptado para Ryskind, e a de melhor diretor para La Cava. Obrigado, Netflix, por nos lembrar dessa ótima atração! Resta-nos apreciar, saudar, homenagear e rever filmes como esse. Que o cinema clássico esteja sempre em nossos corações.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.