Rebobinando: Metrópolis (1927)

Rebobinando: Metrópolis (1927)

Não gosta de filmes mudos em preto e branco? Odeia ficção científica? Não faz mal, pois o filme de hoje vai te envolver de todos os jeitos, independentemente de suas preferências. A obra do dia é considerada um dos maiores expoentes do Expressionismo Alemão, importante movimento cinematográfico. Como muitos sabem, o movimento se caracterizou esteticamente pelas fortes maquiagens, expressões faciais e corporais exageradas, cenários distorcidos e surreais, e pelo excessivo uso de sombras. Já na narrativa, vemos questões sociais e psicológicas abordadas de forma metafórica, porém clara e objetiva, abraçando uma quase inexistente noção de espaço-tempo, o que auxilia sua atemporalidade temática e favorece a imersão do espectador.
O Rebobinando de hoje homenageia o imortal…

METRÓPOLIS (1927)


Quem acha que filmes mudos é apenas Charles Chaplin, não sabe o que está perdendo. Chaplin utilizou de todo seu talento humorístico para contagiar sua plateia enquanto realizava pequenas críticas sociais ao longo de seus filmes; mas foram os filmes expressionistas que realmente chocavam o público com imagens e cenas ásperas – uma forte análise sobre nossos costumes e uma estética encantadora. Metrópolis foi provavelmente o filme expressionista mais visualmente atrativo e intensamente crítico de todos os tempos, fazendo-se um clássico inesquecível por quase um século.

Num futuro distante, Metrópolis é uma cidade fortemente industrializada, dividida em duas classes. A classe alta da cidade vivem acima do solo, e as massas trabalhadoras em baixo, sem que haja quase contato entre ambas. Um dia Freder (Gustav Fröhlich), filho do líder da cidade, Joh Fredersen (Alfred Abel), diverte-se num dos centros de recreio da classe rica, quando vê Maria (Brigitte Helm), uma mulher que traz filhos de trabalhadores em visita para verem como os ricos vivem. É quando Freder se encanta por Maria, e a segue até a cidade dos trabalhadores, onde começa a conhecer melhor as condições dos empregados de seu pai, criando uma grande empatia por eles.

Aos poucos vamos nos familiarizando com os ambientes, com a forma como o filme é contado, e com os vários outros personagens que deixam claro sua importância logo no início. Vários sub-enredos se desenvolvem e criam consequências imprevisíveis, deixando o espectador bastante aflito para saber como o filme vai se resolver. Isso é mérito do acelerado e interessante roteiro escrito por Thea von Harbou, até então esposa do próprio diretor do filme, o genial e lendário Fritz Lang, que realiza um trabalho meticuloso em Metrópolis, sem deixar escapar nenhuma falha da equipe técnica e dos inúmeros atores. Lang também dirigiu muitos outros clássicos expressionistas, como M – O Vampiro de Düsseldorf (1931).

O Expressionismo Alemão, um dos movimentos mais antigos da sétima arte, surgiu na década de 20, no período pós-guerra, em que a Alemanha havia sido derrotada e passava por uma forte crise econômica. Desesperança e pessimismo desolavam a população, principalmente a classe trabalhadora, e esse cenário fica extremamente claro em Metrópolis, que aborda os trabalhadores de forma única, sem individualidade, apenas como robôs agrupados, sincronizados e sem sentimentos. O movimento, que teve influências de teorias filosóficas de Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, busca elementos mais subjetivos, sentimentais, que fugiam da razão nua e crua do ser humano. O espectador de qualquer geração e nacionalidade, presencia uma semelhança muito grande com sua sociedade, ele se impressiona e se comove por toda obra, que o marca psicologicamente de maneira rara, como poucos filmes o faz. O figurino de Aenne Willkomm auxilia a condução da trama de maneira incrível, como se identificasse a classe social e a posição hierárquica de cada personagem. As atuações são magistrais (sem exceção), e junto à formosa cenografia com jogos de luzes chamativas (típica do movimento), concebe uma ambientação digna de atenção, e nos deixa sem fôlego com os efeitos visuais que nem parecem ser possíveis em 1927, o que torna impossível tirarmos os olhos da tela.

Agora pense: todos esses aspectos interessantes, aliados à oportunas reflexões como a ideia central de recusa à burguesia, aos meios de submissão ao trabalho mecânico, e à alienação social… dá para não amar esse filme!? Essa contestadora ficção que nos leva a raciocinar sobre os valores de nossa sociedade, também nos enfeitiça com uma pitada de romance, uma boa carga dramática, e cenas rápidas e frenéticas.

Ah, e só para não perder o costume! Não se deixe enganar pelo infundado e infeliz argumento de que os filmes mudos são chatos ou sem graça. Confira você mesmo esta obra-prima que, se pensa dessa forma, com certeza mudará sua opinião.

Se gostou do texto e se interessa pelo Expressionismo Alemão e outros movimentos cinematográficos, clique aqui para conferir nosso texto que conta um pouco sobre as principais vanguardas do cinema, citando seus contextos de surgimentos, estéticas e até os principais diretores e filmes de cada movimento. Não vai se arrepender!

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.