Representatividade no cinema e na TV

Representatividade no cinema e na TV

Estamos no mês do Orgulho LGBT, mas a consciência e o respeito não podem ficar parados em junho

#ProudtoBe

Se você é uma pessoa que se mantém informada, com certeza sabe que, neste mês, é comemorado o Orgulho LGBT. No Brasil, aconteceu recentemente a Parada, que levou milhares de pessoas às ruas para lutar pelo fim do preconceito, por mais respeito e segurança. Para os que não leram matérias sobre, aí vai um dado chocante (mas não tão surpreendente assim): o Brasil está entre os países que mais matam LGBTs no mundo. E grande parte desse preconceito vem, além da intolerância ao que é diferente, da falta de informação. Por muitos anos a mídia ajudou a criar um estereótipo completamente deturpado dessa minoria, se tornando cúmplice de atitudes homofóbicas.

Falando primeiro da TV aberta, mais explicitamente das novelas da Globo, sempre existiu um tabu enorme em volta dos casais homossexuais. Amor à Vida foi a primeira trama global a exibir um beijo gay e isso só aconteceu em 2014. Mesmo assim, houve uma polêmica sobre: o beijo vai ou não ser transmitido na novela? A cena, felizmente, foi ao ar e desde então é de se notar uma presença maior de LGBTs sendo representados na TV, o que gera comentários negativos de uma parte do público, como: não entendo por qual motivo toda novela  precisa de um gay, lésbica, trans e etc. E é sobre isso que vamos falar no texto.

INVISIBILIDADE

Filmes, séries, novelas. Nós sabemos que essas produções têm como objetivo retratar, muitas vezes, a vida real. Mas em grande parte das histórias românticas, é possível notar um padrão: um casal (hétero, claro) que luta por um amor impossível e enfrenta todas as barreiras para ficarem juntos no final. Além do núcleo do casal, a trama pode nos apresentar a família, os amigos e outras pessoas que rodeiam os protagonistas. O problema é que raramente existe algum personagem LGBT dentro da história. E, se existe, corre o risco de ser o amigo louco e espalhafatoso da mocinha. Lésbicas, transexuais e outros gêneros são ainda menos retratados do que gays. Ou seja: essa minoria se torna invisível e acaba caindo no esquecimento. Por isso, a pergunta que fica é: se a ideia é retratar a realidade, por que não deixar visível essa parte da sociedade que precisa de voz?

Levando em conta que a sociedade LGBT sempre existiu, podemos concluir que o mundo demorou muito para começar a falar sobre isso de maneira responsável. Mas, aos poucos, começou. Ainda estamos engatinhando nesse quesito e, como podemos ver todos os dias, o preconceito existe, a violência, a exclusão. Goste ou não da produção (e falando sobre filmes mais recentes), Azul é a Cor Mais Quente retratou muito bem o relacionamento entre duas garotas: é principalmente um filme sobre amor e descobrimento. Outro filme que mostrou a homossexualidade de maneira inteligente foi Moonlight, merecidamente vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016. Os transgêneros também começaram a conquistar um pouco de espaço na sétima arte, como em Tangerine (2015). Já as séries que falam do assunto ou possuem personagem LGBTs cresceram bastante: Sense8, Orange is the New Black, Please Like Me, Transparent. Vale lembrar que o Cinematecando já conferiu o documentário Divinas Divas, que é uma belíssima carta de amor ao passado familiar de Leandra Leal, atriz e diretora no Teatro Rival (RJ) e a primeira geração de travestis no Brasil, formada por Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios. Seguindo a linha dos filmes nacionais, não tem como se esquecer de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho.

Mas, meio de tantas produções, eu preciso destacar Sense8, recentemente cancelada. É muito raro uma história com personagens LGBTs serem escritas por roteiristas que também fazem parte dessa mesma realidade. Isso porque ainda falta oportunidade para essa minoria. Além de Sense8, Lana Wachowski e Andy Wachowski também são responsáveis por Matrix, um clássico do cinema. Com esse texto, eu não quero dizer que a comunidade LGBT pode ficar satisfeita com a atual representação na mídia. Ainda existe um longo caminho pela frente de desconstrução. Nós não podemos, de maneira alguma, deixar que esses filmes e séries sejam exclusividade. E, para os que não entendem o motivo “dessas pessoas” estarem presentes em tudo, a resposta é muito simples: elas estão nessas produções simplesmente porque elas existem e, muitas vezes, a nossa incapacidade de aceitar o ‘diferente’ nos cega e passamos a não enxerga-las, propositalmente.

NÃO NASCEMOS PRECONCEITUOSOS

Quando eu era criança, assistia aos filmes da Disney como qualquer outra menina. Para começar, se você nasce mulher, automaticamente é colocada dentro de uma caixinha cheia de regras: é obrigatório ter cabelo grande, brincar de boneca, usar maquiagem e gostar de meninos. A mesma coisa acontece com os meninos, eles são colocados em uma caixinha em que é obrigatório gostar de jogar bola, não demonstrar sensibilidade, gostar de carros e, claro, gostar de meninas. E, quando você é pequeno, ninguém te explica que esse manual de instruções de gênero é bobagem e que não é o fim do mundo não se identificar tanto assim com a sua caixinha (existem um milhão de outras possibilidade e você pode ser o que quiser). Para saber mais sobre esse assunto, eu indico o vídeo da Louie Ponto, é só clicar aqui.

O que nós aprendemos quando crianças é que o normal é ser hétero e que qualquer coisa que fuja disso é “contra a natureza” (termo mais errado da história do mundo). Mas nós não nascemos preconceituosos. Nós não sabemos o que é certo ou errado até que nos expliquem. Por isso, ao invés de evitar o assunto, o melhor é mostrar desde cedo que as pessoas tem o direito de serem livres e que é importante respeitar a sexualidade de cada um. Antigamente, os filmes infantis “para meninas” eram Branca de Neve, A Bela Adormecida e eles seguiam o padrão de uma princesa que precisava esperar o seu príncipe para ser feliz. Sabemos que, aos poucos, essa visão machista também está mudando. Mas ainda são pouquíssimas as produções infantis que dão espaço para a comunidade LGBT. J.K Rowling revelou que Alvo Dumbledore é homossexual. Esse fato não foi contado no livro e também não foi citado no filme, mas em Animais Fantásticos e Onde Habitam é muito provável que a questão seja finalmente abordada. Em Procurando Dory, algumas pessoas notaram um casal formado por duas mulheres passeando por um dos cenários do longa. No Live Action de A Bela e a Fera, LeFou também é homossexual e apaixonado por Gaston, vilão do filme. Porém, isso são exceções e não deveria ser assim.

A invisibilidade vai deixar aos poucos de ser uma realidade quando qualquer relação de amor, independente da escolha sexual do indivíduo, for tratada com naturalidade.

Jaquelini Cornachioni