Crítica: Scary Mother
Este filme faz parte da programação oficial da 41ªMostra Internacional de Cinema em São Paulo.
A criatividade pode ser algo assustador. E ela certamente o é em Scary Mother, filme de estreia da diretora Ana Urushadze que conta a história de Manana (Natu Murvanidze), uma dona de casa em sua meia-idade, que é também, possivelmente, um gênio literário, tendo dificuldades em mesclar a repetitiva vida familiar e o potencial de se tornar uma grande escritora. Com um roteiro riquíssimo e interpretações fortes, Scary Mother é uma marcante entrada para Urushadze na arte cinematográfica.
Assim como Jim Jarmusch em Paterson, Urushadze aborda em Scary Mother a melancolia intrínseca ao processo criativo de uma pessoa comum. Em meio aos primeiros minutos, Manana aparece ao filho caçula apenas como uma silhueta difusa detrás de uma janela, como um fantasma tímido que habita o ambiente familiar. A mulher está há tempos afogada em sua obra, que pode muito bem ser um espelho de sua vida bastante frustrada, como a família descobre ao escutá-la em voz alta. O texto incisivo de Manana choca principalmente o marido Anri (Dimitri Tatishvili), que não tarda a acreditar viver ao lado de uma louca. O único a entender e apreciar as digressões da personagem é seu amigo Nukri (Ramaz Ioseliani), que é dono de uma pequena loja de conveniências e está convencido a levar o material às editoras.
Scary Mother não é um filme convencional, nem uma abstração intragável. É sim uma convincente amálgama do real e o imaginário, comunicando sua narrativa ao espectador através de pequenos detalhes e sugestões, assim como sua protagonista encontra inspiração nos azulejos manchados de seu banheiro. Há algum momento ou outro redundante ou autoexplicativo, mas a experiência satisfaz por permitir que o público faça suas interpretações e por isso se coloque no lugar da própria Manana.
Muito dessa liberdade se deve à interpretação complexa de Murvanidze, que acerta ao evitar exageros e dá verdade a Manana, que nas mãos de uma intérprete menos madura, poderia ter caído no cansado estereótipo da mulher que gradualmente perde a sanidade. Aqui, nada é muito claro, mas Manana de jeito nenhum aparenta louca em seus momentos de abstração. Há momentos que adotam uma atmosfera mais estranha, sim, mas a obsessão da protagonista é totalmente compreensível com a construção que Urushadze e Murvanidze empregam.
Desde que não espere outra mother!, o espectador preparado pode se encontrar bastante pensativo, talvez até por dias, em relação à distinta experiência que Scary Mother propõe. Sua protagonista, a fotografia expressiva e a trilha sonora atmosférica apenas fortalecem a visão distinta de Ana Urushadze. Não é de se assustar que tenha sido escolhido como representante da Geórgia nos Oscars de 2018.
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