Crítica: Árvores Vermelhas
Primeiro documentário de Marina Willer encontra emoção em um olhar esteta
Documentar memórias distantes e profundamente pessoais a alguém deve ser um trabalho no mínimo complicado. Retratá-las com imagens que não sejam fotos e registros, ainda mais. É o que a designer e agora cineasta Marina Willer faz com a história de seu pai, Alfred, em Árvores Vermelhas.
Alfred Willer era apenas jovem quando presenciou o holocausto nazista na Europa. Filho de um importante químico, inventor do ácido cítrico, vivia uma vida de relativa paz, interrompida ferozmente pelo Terceiro Reich. Mudando-se com a família de cidade em cidade, passando por Áustria, Alemanha e República Tcheca, testemunhou os horrores causados pelo regime. Por mais que tivesse o costume de não olhar para a morte, tais eventos o marcaram para sempre. Chegando no Brasil, encontrou um recomeço e seguiu a paixão pela arquitetura, criando também filhos artistas, entre eles Marina.
O primeiro aspecto interessante do documentário é o alinhamento entre as visões de Marina com o sofrimento mantido em segredo por seu pai. A cineasta diz em off, logo no início de seu filme, que viver em um país sob regime ditatorial (no caso dela, o Brasil) te faz adotar um ponto de vista. E a descoberta desse ponto de vista no pai é como uma resposta à educação que sempre teve, com apreço pelas artes e pelo estudo da história. Por mais que aborde o holocausto, Árvores Vermelhas então ganha uma ressonância política bastante atual, defendendo a preservação da memória como uma maneira de esquivar de velhos erros.
A contraparte disso é a abordagem estética de Willer, que de início pode parecer fria e distanciada mas gera momentos recompensadores. Vemos casas, fábricas, campos de concentração e outros edifícios em planos milimetricamente calculados, com lentos movimentos de câmera. Quase sempre acompanhadas de offs, prevalece uma atmosfera ensaística, mas nunca pretensiosa. O espectador é convidado com honestidade a enxergar emoções naqueles lugares fantasmagóricos, o que condiz com o personagem principal do longa, que se dispunha a ver algo além na arquitetura.
Tal abordagem teria menos chances de sucesso sem a presença de ótimos profissionais de fotografia e montagem, entre eles os renomados César Charlone e Karen Harley. As imagens são ricas em textura e camadas, e o ritmo acertado da edição permite que o filme transcorra de maneira graciosa, sendo lento mas não monótono. A paciência é recompensada por momentos como aquele em que o jovem Alfred recorda tudo que deixou para trás a bordo de um barco e a visita a uma fábrica abandonada onde ainda se encontram as vestes penduradas dos funcionários. Por outro lado, os trechos focados na chegada ao Brasil e em seus filhos e netos são visualmente desinteressantes e um tanto protocolares.
Esta é uma homenagem de Marina Willer não só a seu pai, mas também sua família. E por mais nobre que isso seja, são boas intenções que ficam no caminho de uma proposta bem mais poderosa: a de mostrar o impacto do macro sobre o micro, o político sobre o íntimo. No fim, Árvores Vermelhas ainda é uma boa experiência cinematográfica e um retrato tocante de uma vida em duas partes, além de um bem-vindo lembrete sobre a importância das memórias, sejam elas pessoais ou sociopolíticas (ou os dois).