Crítica: A Festa
A “morte” de todos os idealismos
O título acima não se refere à teoria de que o mundo material e objetivo só pode ser compreendido pela verdade espiritual ou mental. Neste caso, corresponde à propensão a idealizarmos até projetarmos a realidade.
A Festa, mais recente filme da diretora Sally Potter, nos convida para um jantar comemorativo, após Janet (Kristin Scott Thomas) ser escolhida para o cargo de Ministra da Saúde do Reino Unido. Porém, a celebração durará pouco, com a chegada de convidados e suas revelações.
São claras a intenções e os caminhos escolhidos pela cineasta. O filme é uma alegoria ao Reino Unido na era do Brexit. Mais: é uma constatação de uma nação machucada, e sensibilizada por estas dores; e a diretora Sally Potter não se preocupa em esconder suas decepções com tal cenário (a fotografia preto e branco indica esta desolação).
O jantar de celebração de Janet nada mais é do que o microcosmo, enquanto a situação política atual do Reino Unido é o macrocosmo.
Trata-se de uma tragicomédia – nem tão engraçada, nem tão ácida -, de roteiro que em seus melhores momentos ressoa vibrações de Woody Allen, e em seus menos inspirados mostra-se afrouxado, pouco pungente. A mão de Potter demora um pouco a encontrar o balanço que impulsionará seu enredo, mas, quando encontra, o filme como na música acha seu crescendo, e este, quanto mais rocambolesco, maior o entretenimento e interesse narrativo.
No elenco, temos de performances razoáveis (Kristin Scott Thomas, Emily Mortimer, Cherry Jones) até mais agudas (Patricia Clarkson, Bruno Ganz). O casal excêntrico Gottfried e April, respectivamente um curador pseudo-cientista e uma mulher cínica e realista, interpretados por Ganz e Clarkson, são o ponto alto em A Festa. A atriz tem o mérito de transformar as melhoras falas do roteiro em graça humorística.
Potter utiliza diferentes denominações para indicar seus personagens: idealista, materialista, realista, feminista. Porém, na realidade percebe-se que todos são ou foram idealistas em algum momento. Com a vida e suas inevitáveis perdas e contingências que escapam ao controle (crises econômicas, por exemplo) aumentando, também cresce o grau de ressentimento. Aqui é onde o filme de Potter faz seu melhor argumento, ao focar e elaborar sobre apenas um dos tantos problemas da situação fervorosa e polarizada no Reino Unido.
Seja direita ou esquerda, conservador ou progressista, até componentes que pertencem ao mesmo lado político (todos os convidados da festa são do mesmo partido), o raciocínio de Potter diz que enquanto houver tentativas de resgate ao passado, troca de acusações e falta de diálogo, haverá mágoa. E, enquanto os convidados estiverem ressentidos, a mesa continuará vazia… E o assado queimando!