Crítica: Ana e Vitória
Entre erros e acertos, filme é fiel ao universo da dupla de cantoras
Ana e Vitória são duas garotas de apenas 23 anos, que tornaram-se conhecidas a partir de 2015, quando suas primeiras músicas caíram nas graças do público via internet. Com uma trajetória ainda extremamente jovem, em termos de vida e de carreira, um filme biográfico sobre a dupla, que usa o nome artístico conjunto de Anavitória, poderia soar precipitado. Talvez por isso, o longa que chega aos cinemas tenha optado por ser mais uma comédia romântica protagonizada por elas do que uma história sobre os percalços enfrentados até a conquista da fama.
Abrindo com uma cena musical ambientada numa festa onde todos os convidados olham fixo para os celulares, alheios à vida que corre ao redor, Ana e Vitória já se mostra conectado a seu público-alvo. Dali em diante, por inúmeras vezes pipocam telas de Whatsapp, Instagram e outros aplicativos diante dos olhos de espectador, incluídos de forma orgânica à narrativa.
O uso destas tecnologias na linguagem estética da obra está longe de ser mero floreio: é através dos apps que os personagens se relacionam entre si e com o mundo, em boa parte do tempo demonstrando maior desenvoltura neste mundo digital do que nas interações em “carne e osso”. Se isto é algo bom ou ruim, o filme nunca julga, tratando o fato simplesmente como algo indissociável da contemporaneidade.
A sexualidade é tratada com a mesma naturalidade. Não que haja cenas de nudez, nem nada do tipo. Mas Ana e Vitória não hesita em apresentar duas protagonistas que ficam com homens e mulheres sem fazer nenhuma distinção ou problematização sobre isso, como já ocorre com parte da geração em torno dos vinte anos de idade neste 2018. Tocar neste ponto com esta abordagem despojada não deixa de ser ousado, para uma produção comercial com pretensão de atingir um número considerável de espectadores, muitos deles acompanhados pelos pais.
O diretor e roteirista Matheus Souza, que com 30 anos já chega ao quarto longa-metragem (os outros são Apenas o Fim (2008), Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida (2012) e Tamo Junto (2016)), tem um prato cheio nas mãos, ao falar de questões sentimentais do universo adolescente, tema que permeia toda sua filmografia até aqui. Ele também aproveita para encher os diálogos de conversas que misturam observações banais com reflexões confessionais, outra característica recorrente em seu trabalho.
Como Ana Clara e Vitória não são atrizes profissionais, muitas destas conversas caem no artificial. Quando contracenam com colegas mais experientes de set, mesmo que tão jovens quanto, como é o caso de Bryan Ruffo e Victor Lamoglia (responsáveis por interpretar dois dos “crushes” de uma das protagonistas), a diferença fica nítida. Quando cantam, porém, tudo entra nos eixos novamente.
Se a inexperiência da dupla nem resulta num problema tão grave – a sensação de peixe fora d’água acaba até mesmo sendo útil para suas personagens – o roteiro tem dificuldade para apresentar um conflito dramático forte o suficiente para segurar sua trama. Apesar dos amores e desamores mostrados serem repletos de potenciais nós, estes nunca são atados, pois todos são relacionamentos que estão sempre na iminência de começar ou terminar. Não existe investimento emocional de fato, ou uma construção sólida de um relacionamento que não seja o das duas protagonistas entre si – este representada sem nenhum período de instabilidade, por sinal.
Já a narrativa da carreira musical presente no filme faz parecer que tudo foi fácil para Ana e Vitória, com mínimo esforço. Basta uma gravação no internet e uma mensagem para a pessoa certa que as portas de uma gravadora literalmente se abrem na frente delas. Não há nenhum obstáculo a ser superado, a não ser suas próprias encanações e neuroses. Assim como nas músicas cantadas por estas meninas, chamego e afeto são capazes de resolver qualquer contratempo. A mensagem, ingênua, é capaz de distrair e arrancar suspiros. Mas não se sustenta no mundo real.