Crítica: A Vida em Família
Longa-metragem italiano mergulha nos dramas de personagens com características diferentes, mas complementares entre si
A primeira cena de A Vida em Família, longa dirigido por Edoardo Winspeare, é uma metáfora sobre o cotidiano da pacata e interiorana Disperata: o ritmo da vida na cidadezinha arrasta-se e faz o espectador ter uma ideia da angústia dos personagens do longa em relação ao estilo de vida ao qual eles estão submetidos.
O dia a dia regido à lentidão é representado na trama por Filippo Pisanelli (Gustavo Caputo), prefeito de Disperata. A primeira impressão que se tem ao vê-lo em meio à administração pública é de que ele é o homem errado no lugar igualmente errado.
O deslocamento de Pisanelli na prefeitura torna-se evidente em cada sequência na qual ele está no prédio e torna-se crescente à medida em que a pressão dos conselheiros, em especial da oposição, pedem para ele ser deposto do cargo.
Nem mesmo Eufemia Protopapa (Celeste Casciaro), integrante do conselho e membro do mesmo partido do prefeito, tem condições – e paciência – para defendê-lo, ainda que veja nele um bom homem. Ainda sobre Eufemia: ela e Pati tiveram um affair do qual surgiu o garoto Biagetto (Davide Riso), jovem submetido ao existencialismo inerente a Disperata, canalizado em uma paixão platônica por Valentina (Alessandra De Luca) e a vontade em ser respeitado, ainda que por meios questionáveis.
Esta impressão não é fruto de um mero acaso, pois Pisanelli vê a vida pública como um peso e um incômodo. O negócio do prefeito é a literatura, em especial a poesia. E é por meio da poesia que ele se torna amigo de Pati “Rrunza” (Claudio Giangreco), um assaltante, enquanto dá aulas de literatura na cadeia.
E as aulas dadas por Pisanelli, em especial as poesias lidas durante os encontros, motivaram Pati a ter uma nova vida após estar em liberdade – isso sem contar o interesse em ser poeta, o que o faz ter vontade de publicar os seus escritos. O novo estilo de vida do ex-presidiário frustraram as pretensões de seu irmão, Angiolino (Antonio Carluccio), que pretendia roubar um banco na região e tornar-se, juntamente com o irmão, um dos chefes do crime na região.
Todavia, a devoção de Angiolino por Papa Francisco o faz colocar a vida em perspectiva e buscar por novos rumos. A cena em que o pontífice liga para o bandido, como consequência de uma ideia mirabolante de Pati e colocada em prática pelo prefeito, é um dos pontos altos do filme.
O ritmo cotidiano de Disperata, tal qual uma lesma, causa efeitos diversos, mas complementares, nos cidadãos que lá habitam. Pisanelli sente-se oprimido pela lentidão da vida na pequena cidade e busca na literatura a fuga para a sua melancolia inata. Angiolino rebela-se com a morosidade de lá e busca no crime a adrenalina para encontrar um sentido na vida até Papa Francisco lhe ligar e mudar a sua vida. Eufemia encontra no espírito contestador e combativo a força para mudar Disperata e fazer a cidade finalmente andar.
A Vida em Família não tem ritmo dos mais ágeis, mas esta é uma das qualidades do filme. A lentidão, promovida ora por takes longos em paisagens, ora nas questões existenciais dos personagens, ajudam o espectador a mergulhar na história e a envolver-se com cada uma das personas da trama. E esse aspecto ajuda a entender melhor a angústia em algumas cenas e o humor subliminar da narrativa, que flerta com uma comédia de erros, com traços dos irmãos Coen, em alguns momentos.