Crítica: Mare Nostrum
Tudo que ficou pelo caminho
Dois filhos não tão pródigos assim retornam para casa em Mare Nostrum, longa que o diretor Ricardo Elias (De Passagem e Os 12 Trabalhos) escreveu, com base em uma história de sua própria família. Um destes personagens é Mitsuo (Ricardo Oshiro), que volta do Japão após perder tudo que tinha num Tsunami, obrigado a morar com a irmã e o pai debilitado na cidade de Santos, enquanto a esposa se instala provisoriamente em Ribeirão Preto, interior paulista.
O outro é o jornalista esportivo Roberto (Silvio Guindane), de volta da Espanha após se ver em dificuldades por conta da crise naquele país – o filme se passa em 2011, quando o Brasil ainda se via surfando na onda de um boom econômico nos anos anteriores.
Ambos têm contas para acertar, e não apenas no sentido metafórico. Mitsuo sonha em abrir uma empresa de design, e para isso precisa levantar 20 mil reais. Já Roberto deve R$ 30 mil à escola da filha, para que ela volta a estudar. Porém, o destino destes dois homens havia se cruzado quase três décadas antes, quando seus pais negociaram um terreno na Praia Grande. O imóvel nunca foi finalizado, e agora sua venda pode representar uma oportunidade para ambos tirarem a corda do pescoço.
É emblemático que o ponto em comum entre os protagonistas seja aquela casa não construída. Para a classe média brasileira, principalmente das grandes cidades como São Paulo, um lar de veraneio sempre foi um sonho de consumo. Talvez até hoje. Não apenas como uma demonstração de status, mas na tentativa de ter um refúgio para onde escapar nos finais de semana.
Acontece que nem todo sonho foi feito para ser concretizado, e Mare Nostrum fala muito destas frustrações, principalmente na trajetória do personagem de Guindane, ator visto recentemente em Como é Cruel Viver Assim. Apaixonado por futebol, ele aos poucos vai se vendo obrigado a também abrir mão do grande projeto de sua vida, a biografia de um ex-jogador que quase foi para a Copa de 82 (mais uma história de frustração). Nem é preciso dizer que ele tem mais em comum com o pai (Aílton Graça, em rápida aparição) do que gostaria – mas o roteiro de Elias diz isto assim mesmo, literalmente, repetidas vezes.
Assim, o filme não consegue traduzir em imagens os sentimentos que quer evocar, optando por uma estética na maior parte do tempo solar e que prioriza os diálogos. Isto acaba causando um ruído em seu tom, como se fosse demasiadamente despretensioso.
Neste caso específico, um pouco mais de pretensão, ou melhor, ambição, poderia ser salutar. Até mesmo para embarcar de vez no realismo fantástico, sugerido quando passa-se a suspeitar que o tal terreno talvez tenha poderes mágicos. Mare Nostrum tem bons temas a tratar, mas falta nele um quê cinematográfico.