Crítica: Djon África
Viagem rumo às raízes
Filmes nos quais os protagonistas encontram algum motivo forte para sair de onde moram para encontrar um novo significado para a vida em outro local são produzidos com certa frequência. Contudo, poucos mostram aprofundamento tão intenso na inquietação e na angústia de um personagem na mesma intensidade como Djon África, coprodução de Portugal, Cabo Verde e Brasil, codirigida por Filipa Reis e João Miller Guerra.
Na trama, Miguel “Tibars” Moreira, português filho de cabo-verdianos e conhecido onde mora como Djon África, transmite a sensação de sentir-se um estrangeiro em seu próprio país de nascença. Ainda que tenha nacionalidade portuguesa e tenha uma vida no país, ele não consegue se sentir um cidadão lusitano de modo pleno. É como se ele fosse um outsider em sua própria terra.
Após descobrir, por intermédio de sua avó, interpretada por Isabel Cardoso, que seu pai mora em Tarrafal, em Cabo Verde, Djon decide colocar o pé na estrada para conhecê-lo, mesmo tendo poucas pistas sobre o paradeiro da figura paterna. Este fato serve como ponto de partida para uma viagem que, mais do que simbolizar um potencial encontro familiar, representa a busca pelas próprias raízes e um signo de autodescoberta.
No caso de Djon África, no que diz respeito à nomenclatura do personagem, ter dupla cidadania acaba resultando em ter nenhuma: além de se sentir um forasteiro em Portugal e, inclusive em alguns momentos, sentir que o seu corpo pode ser o símbolo de uma ameaça pública, ele é visto como português pelos cabo-verdianos ainda no avião com destino ao país – o diálogo dele com uma cidadã da região no qual isso é evidenciado torna-se um dos momentos impagáveis e bem-humorados do filme.
De quebra, os choques de hábitos entre ele e os seus quase-conterrâneos representam a cereja do bolo para a premissa existencial de sua história, por mais que ele tenha cultivado em si próprio signos cabo-verdianos enquanto morou em Portugal.
O deslocamento, dentro deste cenário, fica evidente também no modo como Tibars se veste, seja em relação às peças usadas, seja em relação às cores. O figurino dele é, ao mesmo tempo, um símbolo de contestação com padrões sociais e em tons neutros ou frios em boa parte do filme. Como contraste, as roupas do pessoal em Cabo Verde trazem simbologia que remete à felicidade. Pode-se dizer que tais dicotomias representam, respectivamente, os estados de espírito dele e das pessoas no país. E isso é visível até na relação dele com o ambiente ao redor, uma vez que a fotografia do longa o coloca sempre em tons mais frios em relação ao fundo.
Ainda que Djon tente encontrar o seu próprio caminho e construir o seu próprio destino, ainda há algo muito forte que o mantém conectado a Portugal – não é possível falar mais, pois esse seria um spoiler fundamental da obra.
No fim das contas, a busca pelas raízes e por seu pai, o fio condutor de Djon África, tornou-se a metáfora para a busca de Tibars por si próprio e pelo protagonismo da própria história – o que transcende o filme.