Crítica: Apóstolo
Do confuso ao revoltante
Apóstolo é um erro. Um erro de marketing e um erro de estrutura narrativa. Desde o mês de setembro, o filme tem sido vendido (através de fotos e trailers) como uma obra de terror, ou pelo menos um suspense psicológico. Isso faz com que do início ao meio do filme, fiquemos esperando esse terror e esse suspense, que nunca aparecem. Daí pra frente já percebemos que a divulgação errou feio, e que se trata de um forte drama sobre as perturbadas relações entre moradores de uma pequena ilha religiosa. E, se ao menos esse drama nos fisgasse, daria para relevar toda essa propaganda enganosa. Porém, isso não acontece.
O filme se passa em 1905, e seguimos o objetivo de Thomas Richardson (Dan Stevens, de A Bela e a Fera), que viaja para uma ilha remota em busca de resgatar sua irmã de uma seita obscura, que a sequestrou para pedir dinheiro em troca. Aos poucos a insegurança e a desconfiança começam a se instalar naquela civilização, fazendo com que pessoas se virem contra as outras. Nisso, resta saber se Thomas conseguirá comprir sua missão sem se importar com as pessoas com quem criou uma boa relação.
O fraco protagonismo de Thomas é o que mais nos afasta de um engajamento com suas motivações e com a história. Não sabemos quem é ele, o que faz, de onde vem. Provavelmente o roteiro de Gareth Evans (também diretor) encarou a simples ideia de um homem em busca de sua irmã como suficiente para mover o espectador, mas isso não ocorre por diversas razões. Entre elas, a péssima divisão de tempo entre os arcos secundários e o enredo principal. São muitos personagens descartáveis e muitas cenas pra pouca história. Um exemplo é o grande tempo investido no casal de jovens “pecadores”, que simplesmente deixa de lado o seguimento de Thomas em busca de sua irmã por pelo menos 10 minutos ininterruptos, ou mais.
Dentro desse contexto de personagens unidimensionais, o ator Dan Stevens faz seu máximo para tentar salvar seu personagem, mas não consegue. A talentosa Lucy Boynton, que já provou qualidade em A Enviada do Mal (2015) e Don’t Knock Twice (2016), aqui se mostra mal aproveitada, em uma personagem pra lá de irrelevante. No máximo, quem se salva nas atuações é Michael Sheen, que interpreta o líder reverente da comunidade.
Vemos presente uma importante, embora já saturada, crítica sobre os possíveis efeitos do fundamentalismo religioso, da extrema confiança, e da palavra incontestável de líderes que fazem o que bem entendem, quando, como e onde quiserem. Apesar do posicionamento, não é nada que já não tenhamos visto. O que não ajuda na valorização dessa temática é a trama confusa e mal apresentada. Com a tentativa de forçar uma relação entre o sobrenatural e as brutalidades humanas, o roteiro acaba perdendo seu foco, e consequentemente, sua força (não que antes tivesse). Prejudicam também, a falta de clareza nos objetivos dos personagens e seus anseios superficiais. Entre eles, um rancoroso e pretensioso sub-líder que ambiciona mais poder.
Apesar da harmonia entre os aspectos técnicos e da boa direção de enquadramentos diferenciados e câmera trêmula, Apóstolo não cativa com seus personagens, não prende a atenção com sua história, e provoca revolta com suas escolhas de roteiro. Sua longa duração (129 minutos) não se justifica em nenhum momento, e parece mais um apanhado de sequências aflitivas e angustiantes, porém desnecessárias.