42ª Mostra – Crítica: A Casa que Jack Construiu
Lars Von Trier quer te provocar. Encara?
A Casa que Jack Construiu é o filme mais provocante já lançado por Lars Von Trier até aqui. Qualquer espectador iniciado no cinema do controverso diretor dinamarquês sabe que isto não representa pouca coisa. O homem que já apresentou cenas de mutilação, sexo quase explícito e violência das mais diversas formas, propõe em sua novo longa uma pergunta ao público: é possível abdicar dos julgamentos morais e contemplar uma obra apenas pelos seus quesitos rigidamente artísticos, como a beleza estética e a capacidade técnica?
A questão é ainda mais impactante na época atual, na qual a conduta de autores em suas vidas pessoais contaminam diretamente as visões de seus trabalhos, com boicote a cineastas como Woody Allen e Roman Polanski. O próprio Trier foi considerada persona non-grata por algum tempo em Cannes depois de fazer piadas de mau-gosto com o nazismo, até A Casa que Jack Construiu ser exibido no mais prestigiado festival do cinema autoral este ano. O tema é delicado e longe de um consenso dentro da opinião público.
Pois bem. O filme tem como protagonista Jack (Matt Dillon), um sujeito solitário que é, na verdade, um assassino em série. Em uma conversa com Virgílio (Bruno Ganz) às portas do Inferno, ele narra em off sua história, com atenção especial para cinco incidentes que considera fundamental dentre as mais de 60 pessoas que diz ter matado ao longo de doze anos.
O personagem central vê em seus assassinatos méritos artísticos inquestionáveis, a ponto de criar para si um alter-ego chamado Sr. Sofisticado – uma de de suas vítimas, em contraponto, é chamada de Simples (Ryley Keough), alguém que não sabe apreciar as complexidades da vida.
Para sustentar sua tese, Jack usa diversos exemplos da história da arte, que passam vertiginosamente na tela. De quadros renascentistas (muitos deles com imagens brutais) a projetos arquitetônicos da Alemanha de Hitler, passando por uma insistente paródia do famoso clipe Subterranean Homesick Blues, de Bob Dylan, e até cenas dos filmes anteriores de Trier. A colagem representa uma argumentação importante de um artista mais confortável do que nunca em sua posição de “maldito”.
Jack é um homem egocêntrico, perfeccionista, obstinado e com mania de limpeza. Muitos o verão como um reflexo da persona pública de Trier, e o diretor parece não apenas estar ciente, mas também se divertindo com isto. Desdenha das acusações da sadismo e vai até o limite do aceitável (matança de crianças por esporte, para citar um exemplo).
Aborda também as acusações de misoginia frequentes em sua carreira, inserindo uma fala na qual Jack diz que está cansado de ver o homem branco levar a culpa de tudo, e que tem preferência por matar mulheres apenas por estas serem mais “colaborativas”. Está lançada a isca para quem quiser enxergar nisso uma admissão de culpa por parte do cineasta, mas vale lembrar que ele não está necessariamente endossando tal comportamento. Afinal, Jack pagará o preço por seus atos e, finalmente, se torna apenas motivo de chacota, quando os créditos sobem ao som de “Hit the road, Jack, and don’t you come back no more”.
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