42ª Mostra – Crítica: Eu Não Me Importo Se Entramos Para a História Como Bárbaros
Murro em ponta de faca
Numa época em que cresce o número de negacionistas, ou seja, aqueles que tentam reescrever a história e relativizar crimes históricos contra a humanidade como o holocausto e a Ditadura Militar no Brasil, um filme como este Eu Não Me Importo Se Entramos Para a História Como Bárbaros ressoa bastante familiar, de forma incômoda, e dá muito o que pensar sobre os caminhos da humanidade.
O cineasta romeno Radu Jude (de Aferim!) reflete sobre a importância de se acertar as contas com o passado, ao mesmo tempo em que questiona se este é um esforço em vão. Sua protagonista é Mariana (Ioana Iacob, em performance vigorosa), uma diretora teatral incubida de fazer um espetáculo em praça pública para relembrar a participação da Romênia na Segunda Guerra. Para isso, ela escolhe um recorte bastante específico: o massacre de cerca de 30 mil judeus na cidade de Odessa, ocorrido a mando das autoridades locais em outubro de 1941.
Mariana sabe que o evento não é nada lisonjeiro a seu país. Sua intenção ao mexer neste vespeiro é justamente reabrir a discussão, lembrar das atrocidades cometidas quando o fascismo impera e questionar a conivência de pessoas comuns diante disso. Para isso, ela estuda compulsivamente, cita historiadores e autores como Hannah Arendt e checa três vezes a veracidade dos acontecimentos que quer retratar.
É uma pesquisa séria, e o filme acertadamente valoriza muito isso, sem temer parecer uma tese acadêmica em alguns momentos, com uma sequência de debates acompanhados em longos planos de diálogos. A narrativa é rígida, com poucos cortes, pelo menos até o último ato, quando o espetáculo enfim encenado é retratado como se fosse uma transmissão de TV.
A maior parte do tempo de Eu Não Me Importo Se Entramos Para a História Como Bárbaros é dedicada à apuração incansável da protagonista e a preparação para a encenação, quando precisa lidar dentro do grupo com a herança de alguns preconceitos e a vontade de muitos em varrer aqueles fatos para debaixo do tapete. Sem falar nas discussões com Movilla (Alexandru Dabija), o representante do governo local, cujas ameaças de censura ficam cada vez menos sutis, como ao sugerir que a diretora faça algo mais parecido com A Lista de Schindler, onde o protagonista alemão salva os perseguidos pelo nazimo ao invés de perseguí-los violentamente, como grande parte dos conterrâneos.
Como se não bastasse, Mariana ainda vive um romance com um homem casado, que se prova um parceiro pouco confiável quando as coisas apertam também no ambiente afetivo. Mesmo assim, a heroína nunca se abate, mostrando ser uma personagem feminina resiliente e que não se intimida com os homens ao redor.
Porém, como não poderia deixar de ser para um longa sobre tema tão espinhoso, a conclusão oferece pouca redenção. A protagonista pergunta a si mesma se sua mensagem foi captada, enquanto Movilla lhe joga na cara a impossibilidade não apenas de evitar massacres, como de sugerir uma hierarquia entre eles. Ele cita a América Latina que grita “nunca mais”, mas ao mesmo tempo vive caindo de amores por figuras autoritárias como um destes paradoxos históricos. Parece um recado direto ao Brasil, ainda que sem intenção. Pelo visto, Radu Jude anda com o radar bem calibrado.
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