42ª Mostra – Crítica: Diamantino
Fronteira entre real e o surreal cada vez menor
É impossível bater o olho no personagem-título de Diamantino e não lembrar logo de Cristiano Ronaldo. O sujeito interpretada por Carloto Cotta no filme português da dupla Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt é o maior jogador de futebol do planeta, extremamente vaidoso e egocêntrico.
É também um homem infantilizado e extremamente alienado, dado a simular faltas em campo e que, após cair em desgraça, vira meme na internet – aqui a semelhança também caberia ao brasileiro Neymar Jr, só ficaram faltando os seus fiéis “parças”.
Com uma premissa destas, o longa parte do terreno da paródia logo no pontapé inicial, e ganha contornos surrealistas à medida que os acontecimentos evoluem. O protagonista vê cãezinhos filhotes gigantescos no gramado ao seu lado, por exemplo, além de mais adiante fazer parte de um perigoso experimento genético que busca criar uma legião de clones.
Diamantino, portanto, está bem longe de ser uma obra comum. A ambição não está presente apenas em seu tom e nas imagens bizarras que cria, mas também nas discussões pelas quais perpassa ao longo de seus 92 minutos.
Fala da questão dos refugiados africanos que chegam à Europa, brinca com o escândalo dos Panama Papers, tira sarro do muro protecionista de Donald Trump e de seu slogan (adaptado para “Vamos fazer Portugal grande novamente”) e do Brexit, com a proposta dos políticos lusitanos de fazer o país abandonar a União Europeia. Como nas melhores sátiras, é quase tudo fictício, mas não está muito longe da realidade.
A impressão que se tem é que o roteiro, também escrito pelos Abrantes e Schimdt, quer tratar de tantas coisas que o filme às vezes perde seu foco e o caos parece reinar em cena. Certamente há pecados maiores do que este no cinema, e no caso de Diamantino os excessos acabam até dando um charme especial à obra.
O júri da Semana da Crítica no último Festival de Cannes reconheceu isso e o considerou o melhor filme da seção paralela, que prima por destacar novos autores promissores. Em um momento em que o mundo real já parece uma paródia por si só, é preciso mesmo elevar a bizarrice a outro nível para dar-lhe ares de ficção.