Crítica: 1917
Guerra contra o tempo
1917 não é o primeiro longa-metragem a ser filmado como se fosse um único plano-sequência. Hitchcock usou a mesma fórmula em Festim Diabólico, em 1948 (embora reduzindo a ação praticamente sempre no mesmo ambiente), e, mais recentemente, o mexicano Alejandro G. Iñárritu brincou com isso em Birdman, enquanto o húngaro László Nemes levou a experiência de forma visceral para um campo de concentração durante a 2ª Guerra no premiado O Filho de Saul.
A linguagem escolhida pelo diretor Sam Mendes (Beleza Americana, 007 – Operação Skyfall), portanto, não é exatamente uma inovação. Para alguns, pode parecer uma demonstração desnecessária de virtuosismo do cineasta, uma forma de ostentar a habilidade técnica sua e da equipe ao optar pela forma “mais difícil” de contar essa história, com longos takes onde muita coisa acontece ao redor dos personagens e tudo deve ser minuciosamente coreografado.
Mas o fato é que 1917 funciona à perfeição. Não porque seus cortes estão bem escondidos na edição, o que nem tanto é o caso – qualquer iniciado facilmente vai identificar sem pestanejar os momentos em que a câmera parou de rodar, antes de ser retomada do mesmo ponto -, mas porque faz sentido para uma narrativa em que os dois protagonistas correm contra o tempo num contexto em que a diferença entre a vida e a morte é decidida em milésimos de segundos.
Durante a Primeira Guerra Mundial, os soldados Blake (Dean-Charles Chapmam) e Schofield (George MacKay) são incubidos da missão de atravessar trincheiras e a zona de conflito para transmitir uma mensagem a outro pelotão prestes a cair numa armadilha do exército alemão. Não chegar lá a tempo pode custar a aniquilação de 1.600 homens, incluindo o irmão mais velho de um deles.
Impossível o roteiro, escrito por Mendes em parceria com Krysty Wilson-Cairns, ser mais objetivo. A partir dessa premissa, o público acompanha o percurso da dupla, como se fosse um terceiro elemento naquela jornada. A câmera atrás dos ombros dos heróis muitas vezes faz tudo parecer um videogame, em que cada cenário por onde passam corresponde a uma fase. Que essa atividade de observação se prove capaz de gerar tamanha sensação de proximidade, mais até do que uma obra em realidade virtual, é um atestado do poder do cinema. Por isso, é importante tentar ver o filme na maior tela possível.
1917 tem cenas impressionantes, como a queda de um avião que vai se aproximando do espectador, momento que antecede um dramático ponto de virada na trama. Há também espaço para a contemplação, seja em instantes de poucos diálogos, ou no belo número musical, entoado por Jos Slovick.
Na direção de fotografia, fundamental para um filme com essa proposta de linguagem, o veterano Roger Deakins demonstra seu arsenal, seja nos enquadramentos precisos em circunstâncias extremas (muita coisa acontecendo e pouca margem de erro), seja na forma de iluminar do ambiente mais claro ao mais escuro, sempre de maneira fluida.
Além disso, 1917 segue a tradição dos filmes de guerra que não glorificam o combate em si. Não há nacionalismo exagerado, nem discursos heroicos. A mensagem de Mendes, que baseou seus filmes nas histórias que o avô contou sobre o front, é um elogio à capacidade humana de se reconstruir dos próprios escombros, como fazem as cerejeiras pelas quais os protagonistas passam numa das cenas mais delicadas do longa.